domingo, 19 de dezembro de 2010

Alamoa

"Olhei-lhe pra cara  /  Não tinha nariz
Eram dois buracos  /  De um chafariz

(Costa, Pereira da. Folclore pernambucano, p.458)
Os antigos detentos do presídio da ilha de Fernando de Noronha contavam que nas vésperas de tempestades, quase sempre à meia-noite, aparecia na praia uma mulher lindíssima, muito alta, com longos cabelos louros e completamente nua, dançando ao som do bater das ondas, iluminada pelos relâmpagos. Seus pés pareciam não tocar no chão e sim flutar na areia. Era a alamoa, feminino de alamão [alemão], pois conforme a interpretação popular, mulher loura naquelas paragens só poderia ser alemã.

Sua forma varia. Algumas vezes ela é uma forma luminosa, multicolorida, outras vezes, atrai os homens e os seduz. Aqueles que sucumbem a seus encantos vêem-na se transformar em um esqueleto. Para alguns, é uma alma penada, à procura de um homem forte que a ajude a desenterrar um tesouro escondido.

A pedra do Pico é a sua morada. Em algumas noites, a pedra se fende, abrindo-se uma porta, por onde sai uma luz. A bela alamoa baila, atraindo sua vítima. Aqueles que entram em sua morada, logo constatam com horror a terrível transformação. Seus belos e brilhantes olhos transformam-se em dois buracos e ela vira uma caveira horripilante. Então, a fenda se fecha e o pobre homem nunca mais é visto. Seus gritos de pavor, no entanto, ainda ressoam no local durante muitos dias.

Para Pereira da Costa, trata-se de uma reminiscência do tempo dos holandeses. Luís da Câmara Cascudo a caracteriza como uma convergência de várias lendas de sereias e iaras estrangeiras. O tema da mulher sobrenatural que atrai e seduz os homens, transformando-se a seguir, é comum e recorrente no imaginário popular, sendo, por isso, impossível determinar sua origem com precisão.

Fonte: Jangada Brasil.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Banquete na casa de Levi

Banquete na casa de Levi, óleo sobre tela, Paolo C Veronese, 1573, Galleria Accademia, Veneza
Veneza, Sábado, 18 de julho de 1573

O senhor Paolo Caliari Veronese (1528-1588), morador da paróquia de São Samuel, terminou a sua versão da última ceia de Jesus Cristo. Um quadro enorme, com 5 metros de altura por 12 metros de largura.

A inquisição não gostou dos detalhes da obra, uma pessoa com o nariz sangrando, um cachorro na frente da mesa, homens armados à moda alemã, cada um com uma alabarda (lança germânica), entre outros, o que poderia ser motivo de zombaria pelos protestantes e o autor poderia ser punido.
Veronese teve que comparecer ao tribunal do Santo Oficio para explicações.

Ao ser questionado , diz que o homem é um servo que por algum motivo se machucou, os guardas um comendo e outro bebendo estavam lá para uma possível eventualidade, eram servos contratados pelo dono da casa, que tinha posses. Também se defendeu dizendo que os pintores tinham a mesma liberdade que os poetas e loucos.

Veronese recebeu um prazo de três meses para corrigir a obra, a Inquisição queria que ele pintasse Maria Madalena no lugar do cachorro, mas ele apenas retirou o sangramento nasal e mudou o nome do seu quadro para “ Banquete na casa de Levi”, não despertou polemica e tudo continuou no mesmo lugar , inclusive Jesus Cristo.

Interrogatório

Veronese: Eu faço pinturas.

Tribunal: Você sabe a razão da sua convocação

Veronese: Não, meus senhores.

Tribunal: Você pode imaginar?

Veronese: Sim, claro que sim.

Tribunal: Diga-nos porque você acha que foi chamado.

Veronese: Pela razão que foi contada para mim pelo reverendo, cujo nome eu não sei, que me disse ter estado aqui, e que os ilustríssimos senhores tinham encarregado-o de fazer me substituir a figura do cachorro pela de Maria Madalena. E eu respondi a ele que faria espontaneamente isso, ou qualquer outra coisa para melhorar a pintura, mas que eu não achava que a figura de Madalena ficaria bem ali, por várias razões que eu posso argumentar em qualquer oportunidade.

Tribunal: A que pintura se refere?

Veronese: A da última ceia que Jesus Cristo fez com seus apóstolos na casa de Simão.

Tribunal: E onde está essa pintura?

Veronese: No refeitório do convento de São Paulo e São João Batista

Tribunal: Nessa ceia você pintou outros comensais?

Veronese: Sim, meus senhores

Tribunal: Diga quantos e o que cada um está fazendo

Veronese: Primeiro, tem o senhor da casa, Simão. Depois, abaixo dessa figura, eu pintei um mordomo, que veio ver como as coisas estavam se desenrolando na mesa. Há vários outros, que, desde que coloquei o quadro, não me lembro.

Tribunal: Você pintou outras ceias além dessa?

Veronese: Sim, meus senhores

Tribunal: Quantas, e aonde?

Veronese: Eu fiz uma em Verona para o Reverendo de São Nazaro, que está no seu refeitório.

Ele disse: Eu fiz uma no refeitório dos sacerdotes em São Jorge, aqui em Veneza. A ele foi dito: Isso não é uma ceia. Você está sendo perguntado sobre a Santa Ceia. Veronese: Eu fiz uma no refeitório dos Servos de Maria em Veneza, outra no refeitório da São Sebastião, também aqui. E eu fiz uma em Pádua para os Pais de Madalena. Não me lembro de ter feito outras. Tribunal: Nessa ceia que você pintou em São João Batista e São Paulo, qual o significado da figura do homem com o nariz sangrando?

Veronese: Eu o fiz como um servo, cujo nariz, por conta de algum acidente, estaria sangrando.

Tribunal: Qual o sentido desses homens armados, vestido a moda alemã, cada um com uma alabarda (uma lança germânica)?

Veronese: Aqui eu precisaria dizer algumas palavras.

Tribunal: Diga

Veronese: Nós, pintores temos a mesma liberdade dos poetas e dos loucos. E eu pintei esses dois alabardeiros, um bebendo e outro comendo perto da escada, que estão ali para talvez executarem alguma ordem, porque parecia me apropriado que o mestre da casa, que era rico e poderoso, de acordo com o que eu soube, tivesse tais servos.

Tribunal: Esse sujeito com um papagaio no seu punho, qual é o propósito dele na tela?

Veronese: Ornamento, como é comum se fazer.

Tribunal: Quem está sentado ao lado do Nosso Senhor na mesa?

Veronese: Os doze apóstolos

Tribunal: O que São Pedro está fazendo, quem é o primeiro?

Veronese: Ele está cortando o carneiro, para passar ao outro no fim da mesa.

Tribunal: O que o outro está fazendo?

Veronese: Ele segura um prato para receber o que São Pedro está lhe dando.

Tribunal: Diga-me o que o seguinte está fazendo?

Veronese: Ele tem um palito, com o qual está limpando seus dentes.

Tribunal: Quem você realmente acha que estava presente na Santa Ceia?

Veronese: Eu acho que Cristo e seus apóstolos estavam presentes, mas se em uma pintura eu tenho espaços vazios, eu os adorno com figuras da minha imaginação.

Tribunal: Alguém encomendou que pintasse alemães, comediantes e tais coisas no quadro?

Veronese: Não, meu senhor. Mas eu fui encarregado de adornar a pintura como achasse melhor, e para mim ela é grande e tem espaço para muitas figuras.

Ele foi questionado pelos ornamentos que ele, o pintor, tem o hábito de introduzir em seus murais e pinturas, seja na maneira de fazê-las apropriadas ao assunto das figuras principais, ou se ele as pinta pelo seu próprio prazer, sem discrição ou critério. Veronese: Eu faço minhas pinturas considerando o que é adequado, e como minha mente as compreende. Ele foi perguntado se achava apropriado que na Santa Ceia de Nosso Senhor houvesse bêbados, alemães, anões e semelhantes obscenidades.

Veronese: Não, meus senhores.

Tribunal: Você não sabe que na Alemanha e em outros lugares infestados de heresia, há o costume de usar pinturas estranhas e obscenas para zombar, abusar e ridicularizar a Santa Igreja Católica, com o objetivo de ensinar falsas doutrinas aos analfabetos e ignorantes?

Veronese: Sim, meus senhores. Isto é malvado. Mas eu devo repetir o que disse antes, que eu sou obrigado a seguir o que meus predecessores fizeram.

Tribunal: O que seus predecessores fizeram? Eles algumas vez fizeram algo assim?

Veronese: Michelangelo, em Roma, na Capela Pontifícia. Ele pintou Nosso Senhor Jesus Cristo, sua Santa mãe, São João, São Pedro, a corte do Paraíso, todos nus, da Virgem Maria para abaixo, com pouca reverência.

Tribunal: Você sabe que ele estava pintando o Juízo Final, no qual vestimentas ou tais coisas não devem existir, não há necessidade de se pintar roupas, e nesses quadros não há nada que não seja espiritual, como cachorros, armas, ou tais bazófias? E você acha, citando esse ou qualquer outro exemplo, que agiu corretamente fazendo esta pintura assim? E você pretende se defender dizendo que esta pintura é correta e apropriada?

Veronese: Meus ilustres senhores, não. Eu não pretendo me defender, mas eu pensei que estava agindo corretamente. E eu não considerei muitas coisas, pensando que eu não estava fazendo nada irregular, ainda mais que os comediantes estão fora do recinto onde está Nosso Senhor.

Depois disso, os senhores decidiram que o acima citado Sr. Paolo deveria ser requisitado e obrigado a corrigir e emendar a pintura em questão, arcando pelos custos disso, em três meses, a contar do dia da sentença, sob as penas que o Sagrado Tribunal pode impor.

Fontes: Anti Foro de São Paulo; Banquete na Casa de Levi, versão da última ceia de Jesus Cristo - Voz Ativa.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Martelo das Bruxas - Parte 2

Instrumentos Letais de Tortura

Os instrumentos citados a seguir são aqueles que, embora servissem como instrumentos de interrogatório, podiam ser usados como instrumentos de execução como por exemplo, a Dama de Ferro - ou provocavam na vítima tais traumas e lesões que acabavam por matá-la horas após sua aplicação. Por isso, só eram geralmente aplicados a condenados à morte, cuja execução deveria seguir-se sem demora; assim, obtinha-se a garantia de que as vítimas, ainda que gravemente feridas, não escapariam à aplicação da justiça.
1 - As Cunhas ou Borzeguim - Este era um dos suplícios mais dolorosos que se poderia imaginar. A vítima era amarrada e esticada no chão, com as pernas encerradas entre quatro pranchas de carvalho, das quais o par do lado externo era fixo, enquanto o interno era móvel. Introduzindo cunhas no espaço de separação entre as duas pranchas móveis, era possível esmagar as pernas da vitima contra a estrutura fixa da máquina. Havia a tortura dita comum e a extraordinária; a diferença entre as duas era avaliada pela quantidade de cunhas cada vez mais espessas que eram cravadas na parte interna. Este tipo de tortura, pelo fato de ser sempre - embora nem sempre imediatamente fatal, só era administrada a condenados à morte que devessem ser executados sem demora.

2 - O Esmaga-Cabeças - Os esmaga-cabeças, instrumentos tipicamente medievais, compunham-se de um capacete e de uma barra na qual se colocava o queixo do torturado. Em seguida, por meio de um parafuso, ia-se apertando o capacete, comprimindo a cabeça do indivíduo de encontro à base, no sentido vertical. O resultado era arrasador: primeiro destroçavamse os alvéolos dentários; depois, as mandíbulas; e finalmente, caso a tortura não cessasse, os olhos saltavam das órbitas e o cérebro vazava pelo crânio fraturado.

3 - A Dama de Ferro ou Iron Maiden - história da tortura registra muitos instrumentos em forma de sarcófago antropomorfo com pregos em seu interior, que, ao fechar-se a porta, penetravam no corpo da vítima. O exemplo mais conhecido foi a chamada "donzela de ferro" de Nuremberg, exemplar do final do século XV, reprodução aperfeiçoada de exemplares mais antigos. O aparelho foi destruído quando Nuremberg foi bombardeada, em 1944.

É difícil separar a lenda dos fatos quando se fala de tal instrumento, pois restaram poucas descrições da época, e a maioria do material publicado baseia-se em investigações distorcidas do século XIX, opiniões fantasiosas e românticas e testemunhos não oculares e exagerados. Ao contrário do que se costuma afirmar, a Dama de Ferro raras vezes era usada numa execução intencional (embora, sem dúvida, o condenado pudesse, devido a um lamentável infortúnio, morrer asfixiado em seu interior).

A primeira referência confiável a uma execução com a Dama de Ferro reporta-se a 14 de Agosto de 1515, se bem que o instrumento já fosse utilizado, comprovadamente, há uns dois séculos. Nesse dia, um falsificador de moeda foi aí introduzido e as portas fechadas lentamente, pelo que as pontas afiadíssimas lhe penetraram nos braços, na barriga, e no peito, nas pernas em vários lugares, na bexiga, nos olhos, nos ombros e nas nádegas, mas não suficiente para o matar, e assim permaneceu a gritar e lamentar-se por vários dias, após os quais morreu.

É provável que os cravos fossem desmontáveis e de vários tamanhos, de modo que pudessem colocar-se em vários orifícios no interior do aparelho, tornandose mais ou menos cutilantes, segundo as exigências da sentença. A Dama de Ferro era aplicada aos autores de crimes contra o Estado, que não fossem de lesa-majestade, e também nos casos de mulheres adúlteras e de jovens ou viúvas que não mantivessem sua castidade. Era também usada como instrumento de interrogatório, em casos específicos de mulheres suspeitas de bruxaria ou comércio com as forças do Inferno. Nesse caso do interrogatório, era usada especialmente em mulheres, pois julgava-se que estas poderiam suportá-la melhor que outros métodos e por deixar poucas ou nenhuma marca visível, sendo, além disso, praticamente garantida a confissão da acusada.

4 - A Roda Vertical - Na roda vertical, que, como diz o nome, era erguida perpendicularmente em relação ao chão, o corpo da vítima era amarrado ao instrumento, o mais esticado possível. Em seguida a roda era girada, expondo o torturado, a cada volta, a pregos ou brasas ardentes colocados no chão, sob a máquina. O resultado final era o retalhamento lento ou queimaduras expostas por toda a superfície do corpo, que, conforme sua gravidade, poderiam levar à morte do torturado.

 5 - Gaiola de Cravos - Atribui-se geralmente a invenção desse engenhoso instrumento à condessa húngara Elizabeth Báthory, que viveu no século XVI; todavia, existem registros de seu uso já no tempo dos romanos. Frise-se, porém, que não era um modo de interrogatório ou punição judicial, sendo utilizado apenas por certos indivíduos, isoladamente.

Basicamente, o engenho era uma gaiola cilíndrica de lâminas de ferro afiadas, cujo interior era guarnecido de pontas aguçadas de ferro. A vítima era trancada na gaiola e o torturador, armado de um archote, um ferro em brasa ou ainda de um ferro pontiagudo, começava a espetar ou atiçar o prisioneiro, que, em seus movimentos de recuo, ia chocar-se contra as pontas e lâminas da gaiola. O resultado final é fácil de imaginar-se. Embora a maioria das gaiolas de cravos de que se tem notícia fossem colocadas diretamente sobre a terra, diz-se que a gaiola de Elizabeth Báthory (aperfeiçoada para que ela tomasse os famosos banhos de sangue que, segundo supunha, a manteriam sempre jovem e bela) era suspensa no teto; a condessa sentavase abaixo dela e o sangue corria diretamente sobre seu corpo.

6 - O Cavalo de Estiramento - O estiramento, ou desmembramento causado por meio de tensão exercida longitudinalmente, já era usado no Antigo Egito e na Babilônia. Na Europa medieval - e após - o cavalo de estiramento constituía instrumento fundamental de qualquer masmorra respeitável, e isso até o desaparecimento da tortura, por volta do séc. XVII.

A vítima era deitada no aparelho, seus membros firmemente presos às extremidades e esticados pela força do cabrestante, existindo testemunhos antigos que falam de até 30 cm de distensão, o que é inconcebível; a distensão originada pelo deslocar e torcer de cada articulação dos braços e das pernas, do desmembramento da coluna vertebral e da destruição dos músculos das extremidades do tórax e do abdômen provocava um efeito mortal. No entanto, antes do abatimento final da vítima, e mesmo nas fases iniciais do interrogatório, era sofrido o deslocamento dos ombros, por causa do estiramento dos braços para trás e para cima, assim como uma dor intensa provocada pelo rompimento dos músculos e quaisquer fibras submetidas a uma tensão excessiva.

Com a continuação da tortura, os quadris, e os cotovelos começavam a desconjuntar-se, separando-se por fim, ruidosamente. Já nesta fase, a vítima, se escapava com vida do tormento, ficava aleijada para toda a vida. Depois de horas ou dias, no caso dos mais resistentes, as funções vitais simplesmente cessavam, uma após a outra.

Fonte: Retirado da internet (.txt) através de compartilhamento de arquivos. Lay-out e pdf: A.H.S. – Brasil (outono de 2007).