segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Noite na Taverna: Bertram

III - Bertram

But why should I for others groan,
When none will sigh for me!

Childe Harold, I. Byron

Um outro conviva se levantou.

Era uma cabeça ruiva, uma tez branca, uma daquelas criaturas fleumáticas que não hesitarão ao tropeçar num cadáver para ter mão de um fim.

Esvaziou o copo cheio de vinho, e com a barba nas mãos alvas, com os olhos de verde-mar fixos, falou:

— Sabeis, uma mulher levou-me a perdição. Foi ela quem me queimou a fronte nas orgias, e desbotou-me os lábios no ardor dos vinhos e na moleza de seus beijos: quem me fez devassar pálido as longas noites de insônia nas mesas do jogo, e na doidice dos abraços convulsos com que ela me apertava o seio! Foi ela, vós o sabeis, quem fez-me num dia ter três duelos com meus três melhores amigos, abrir três túmulos àqueles que mais me amavam na vida — e depois, depois sentir-me só e abandonado no mundo, como a infanticida que matou o seu filho, ou aquele Mouro infeliz junto a sua Desdêmona pálida!

Pois bem, vou contar-vos uma história que começa pela lembrança desta mulher...

Havia em Cadiz uma donzela... linda daquele moreno das Andaluzas que não há vê-las sob as franjas da mantilha acetinada, com as plantas mimosas, as mãos de alabastro, os olhos que brilham e os lábios de rosa d'Alexandria sem delirar sonhos delas por longas noites ardentes!

A Face da Morte

Ângela julgava-se a mais infeliz das mortais. No espaço de 5 anos havia perdido três das pessoas as quais mais amava: o pai, a mãe e o marido. Não ficara sozinha no mundo, entretanto, possuía uma grande família, que sempre fora unida e, o mais importante, tinha três filhos que seriam o orgulho para qualquer mãe. No entanto, ela preferia as lembranças, vivendo uma espécie de passado permanente, chorando seus mortos.

Ela implorava às almas de seus entes queridos para que não a abandonassem. Maldizia anjos e santos por terem tirado tão cedo de sua presença pessoas que lhe faziam tanta falta.

Certa noite, um vento zuniu mais forte e um clarão iluminou o quarto de Ângela. Lá estava seu pai, sua mãe, seu marido, decompostos , os ossos à mostra, tentando abraça-la, confortá-la. Seu amado não tinha mais olhos, apenas buracos no rosto. Sua mãe, ainda lembrava muito do que fora, mas o corpo estava coberto de manchas coloridas, sua pele enrugada e o cheiro insuportável.


Ângela mal podia respirar, aquele odor nauseabundo ocupando cada espaço nos seus pulmões. Ela gritou para que fossem embora, mas eles ficaram encarando-a com uma ternura resignada. Ela implorou, suplicou, mas as carcaças desfiguradas não se mexiam; elas simplesmente não poderiam mais ir embora.

O desespero de Ângela havia chamado a atenção de forças poderosas. Aquelas almas sem descanso a acompanhariam por onde fosse, até o fim da sua vida.

Escrito por: Zé do Caixão