quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A Figueira Assombrada

Minha avó paterna casou-se duas vezes. Seu primeiro marido chamava-se Giacomo. Os dois, naturais da Itália, conheceram-se na Argentina, casaram e vieram para o sul do Brasil, buscando uma vida melhor. Foram morar na região de colonização italiana. 

Giacomo ganhava a vida vendendo gado e os produtos que produzia (vinho, queijo, salame, etc.). Ficava vários dias longe de casa, pois viajava por várias cidades do interior do Rio Grande do Sul. Em uma estrada, próxima a Bento Gonçalves, havia uma figueira frondosa. Os moradores do local diziam que, à meia-noite, não era possível passar pela árvore, pois o lugar era "assombrado". 

Voltando de uma viagem, cansado e ansioso por chegar em casa, Giacomo chegou na figueira poucos minutos antes da "hora fatídica". Não acreditava em almas do outro mundo, por isso seguiu tranqüilo. Ao aproximar-se da árvore, o cavalo empacou, empinou as orelhas e relinchou, assustado. O cavaleiro, impaciente, fincou as esporas e mandou que o animal avançasse. Não obteve resultado. Exasperado, bateu no cavalo com o relho. Ele não se moveu.


Nesse momento, Giacomo sentiu alguma coisa agarrar sua coxa. A sensação foi como se tivessem encostado um ferro em brasa. Foi erguido do cavalo e arremessado para o outro lado da estrada. Tonto, levantou-se, deixou os animais e correu para casa. Lá chegando, aos gritos, chamou minha avó, que, assustada, abriu a porta. Giacomo não falava coisa com coisa. 

Após algum tempo e um chá de cidreira, ele conseguiu contar o que havia acontecido. Minha avó pediu que ele tirasse a bombacha, para verificar o local. Qual não foi seu espanto, ao ver que a calça estava queimada, e, na pele de seu esposo, havia a marca de cinco dedos! 

Meu pai nos contou que vovó Maria dizia que, após esse dia, Giacomo não saiu mais sozinho à noite e quando precisava ir até a latrina, que ficava um pouco afastada da casa, pedia que ela o acompanhasse. A marca permaneceu na pele até sua morte.Meu pai não mentia e muito menos minha avó, por isso só posso dizer, parafraseando Shakespeare, que "entre o céu e a terra existem coisas que a nossa vã filosofia não consegue explicar".

Fonte: http://www.juraemprosaeverso.com.br/ContosMisteriosos/FigueiraAssombrada.htm

Brincando com os mortos

Em uma noite iluminada por uma lua minguante num céu sem estrelas, quatro jovens resolvem fazer o famoso "jogo do copo". 
Reúnem-se na casa do mais velho, o líder da turma. Depois de uma oração em tom de brincadeira, começa a sessão de perguntas para o pseudo-espírito na mesa. 

- Qual o seu nome? Pergunta uma das meninas da turma. 

O copo se move para as letras formando a palavra P-A-L-H-A-Ç-O. Todos ficam assustados com o movimento, mas acham estranho que tenha se formado essa combinação. Exceto o líder da turma, que solta uma gargalhada quando a palavra é formada. 

- O que você quer? Pergunta o segundo jovem: 

P - U - M. É a palavra que aparece no tabuleiro. 

O jovem líder cai na gargalhada, solta o copo e sai de perto do tabuleiro:

- Essa brincadeira é cretina, estúpida. Fui eu quem fez o copo se mexer. Viram como isso não funciona? 

- Cuidado. Não fique brincando com essas coisas. Você pode ser castigado - Retruca a pequena jovem. 

Todos vão embora da casa do rapaz, indignados coma brincadeira sem graça do amigo. Como já era tarde, ele se prepara para dormir. Entra em seu quarto, deita em sua cama e começa uma oração. No meio de sua prece, ele sente uma dor muito forte no peito. Seu pijama azul tem uma mancha escura e que vai aumentando. O jovem coloca a mão na boca para conter um grito, mas percebe que sua boca também está sangrando. Seu nariz pinga mais sangue ainda, marcando o chão com poças avermelhadas.


Desesperado, ele vai ao quarto de seus pais e os encontram enforcados, pendurados no lustre sobre a cama, movimentando seus braços em busca do corpo do rapaz. 

Os gritos e palavras mórbidas ecoam por toda a casa: 

- Maldito. Porquê você fez isso? 

O jovem corre para fora de casa e bate na porta da casa de seus amigos. Ninguém atende. Seus gritos misturados com suas lágrimas pintam seu rosto de vermelho. Cansado de gritar, ele fica em silêncio, mas ouve algumas gargalhadas. 

Tentando descobrir de onde vem as vozes, ele corre em direção ao som, e percebe que saem da garagem de sua própria casa. Ao abrir a porta, ele se depara com uma cena macabra: Seus três amigos, sentados no chão, fazendo o jogo do copo. 

As gargalhadas eram assustadores, como crianças que se divertem com um brinquedo novo. Chegando mais perto, o jovem percebe que o copo se movia sozinho, sem nenhum dedo no tabuleiro. O copo fazia movimentos repetitivos para as palavras P-A-L-H-A-Ç-O. Movimentos cada vez mais rápidos formavam a palavra P-A-L-H-A-Ç-O, P-A-L-H-A-Ç-O, P-A-L-H-A-Ç-O, até que o copo explode.

 Assustado, suado e com muito medo, o jovem acorda. Sim, foi um sonho. Ele olha a sua volta e não há sangue. O silêncio reina pela casa. 

Mais calmo, ele vai até o banheiro, onde tem uma surpresa ao se olhar no espelho: Seus olhos e sua boca, vermelhos de sangue, formam uma pintura de palhaço. Mesmo jogando água em sua face, a mancha não sai. Em um ato de desespero, o rapaz corre para o quarto dos pais. 

Quando ele abre a porta, encontra seu pai de pé, em frente à porta com uma arma na mão. Antes que ele pudesse pronunciar qualquer palavra, um único som toma conta de toda a casa: P-U-M. 

No dia seguinte, todos os seus amigos vão ao velório de seu colega: O jovem palhaço que morreu com um tiro na cabeça.
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Conto de Reinaldo Ferraz