quarta-feira, 9 de maio de 2012

Uma cidade misteriosa no sertão

Um manuscrito encontrado na Biblioteca Nacional, já roído por cupim, e publicado no primeiro tomo da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, leva o seguinte título: Relação histórica duma oculta e grande povoação antiquíssima, sem morador, que se descobriu no ano de 1753.

O autor do curiosíssimo documento escreveu:

"Depois duma larga e importuna peregrinação, incitados da insaciável cobiça ao ouro e quase perdidos em muitos anos neste vastíssimo sertão, descobrimos uma cordilheira de montes tão elevados que pareciam chegar à região etérea e que serviam de trono ao vento, às estrelas. O luzimento que de longe se admirava, principalmente quando o sol fazia impressão no cristal de que era composta, formando uma vista tão grande e agradável que ninguém daqueles reflexos podia afastar os olhos. Entrou a chover antes de entrarmos a registrar esta cristalina maravilha e víamos, sobre a pedra escalvada, correr as águas se precipitando dos altos rochedos, nos parecendo a neve ferida pelos raios solares, pelas agradáveis vistas...".

Depois desses pretensiosos tropos literários, de cujo fim, felizmente, as sevandijas deram cabo, discorre o autor anônimo: "Abarracados nós e com o desígnio de retrocedermos, no dia seguinte, sucedeu correr um negro, andando à lenha, a um veado branco, que viu, e descobriu, por acaso, o caminho entre duas serras, que pareciam cortadas por artifício e não pela natureza. Com o alvoroço dessa novidade principiamos a subir, achando muita pedra solta e amontoada por onde julgamos ser calçada desfeita com a continuação do tempo. Gastamos boas três horas na subida suave pelos cristais que admiramos, e no cume do monte fizemos alto, do qual, estendendo a vista, vimos num campo raso maiores demonstrações pra nossa admiração. Divisamos coisa de légua e meia uma povoação grande, nos persuadindo, pelo dilatado da figura, ser alguma cidade da corte do Brasil...".

Ruína de Igatu, Bahia, que alguns acreditam ser a cidade perdida

Foram mandados exploradores à mesma, continuou a relação, os quais voltaram desenganados, pois, embora ouvissem cantar os galos, não encontraram alguém. Guiados por um índio, entraram, todos, na madrugada, cidade adentro, devidamente prevenidos e armados. A entrada se fez por um arco triunfal semelhante ao de Constantino, em Roma, com uma porta larga entre duas menores. Não foi possível ler, devido à altura, a epigrafia que coroava o monumento.

Seguiram numa avenida de sobrados iguais e simétricos com terraços de lajes ou de ladrilhos requeimados. Visitaram muitas dessas moradias, todas sem alfaia, sob cujas abóbadas as vozes ecoavam soturnamente. No fim dessa rua havia uma praça regular, tendo, no centro, sobre uma coluna de granito negro, uma estátua de homem, de pé, a mão esquerda pousada na ilharga e a direita apontando o pólo norte. A cada canto da praça se erguia uma agulha, à imitação das que usavam os romanos. Quais? Agulhas de pedra com os obeliscos egípcios ou quadrantes solares?

Do lado direito de tal praça, um palácio soberbo, invadido por morcegos, com um baixo-relevo no pórtico, representando pessoa de pouca idade, sem barba, com uma banda atravessada e um fraldelim na cintura. Embaixo se viam alguns caracteres epigráficos que o manuscrito reproduz. Do lado esquerdo se erguia um templo de magnífico frontispício, cheio de efígies e cruzes. Em seguida os restos da cidade sepultados em grandes e medonhas aberturas da terra em que não brotava erva entre montões de pedras toscas ou lavradas.

Era a cidade banhada por um rio caudaloso, de margens limpas e agraciáveis, além do qual se estendiam viçosos campos, plantações de arroz e bandos de patos que se apanhavam com as mãos. Durante três dias desceram o curso de água até chegarem a estrondosa cachoeira, onde a força da correnteza não era menos do que a das bocas do decantado Nilo. Ali o rio se espraiava de tal modo que parecia o grande oceano. A oriente da catadupa, socavões cuja profundidade foi impossível sondar e em cuja entrada se encontravam vestígios de prata, como tirados das minas deixadas ao tempo. Uma dessas furnas era coberta por grande laje com figuras misteriosas gravadas, que o documento reproduz. No meio do campo outro palácio com escadaria de pedras de várias cores e quinze aposentos, além do salão. Cada qual com sua bica de água encanada. No pátio, colunatas circulares.

Nas margens do rio acharam boa pinta de ouro e prata. Viram andorinhas, morcegos, raposas enormes e ratos de pernas curtas, que não andavam nem corriam, mas saltavam como pulgas. Um dos companheiros, se afastando, deu com uma canoa tripulada por duas pessoas brancas de cabelo preto e vestidas à européia, as quais fugiram. Outro chamado João Antônio achou, numa ruína, um dinheiro de ouro, figura esférica, maior que nossas moedas de seis mil e quatrocentos, tendo, no anverso, a imagem dum moço ajoelhado e no reverso um arco, uma coroa e uma seta.

O manuscrito termina assim: "Estas notícias mando a v. m. deste sertão da Bahia e dos rios Paraguaçu e Una, assentando não darmos parte a pessoa alguma, porque julgamos se despovoarão vilas e arraiais. Mas a v. m. a dou das minas que temos descoberto, lembrado do muito que te devo. Suposto que nossa companhia saiu já um companheiro com pretexto diferente, contudo peço a v. m. largue essas penúrias e venhas utilizar estas grandezas, usando da indústria de peitar esse índio, pra se fazer perdido e conduzir v. m. a estes tesouros...".

Não se sabe a quem fora dirigida a curiosa relação nem seu autor. A única referência certa, além da data, é a do sertão da Bahia, nos rios Paraguaçu e Una. Nada mais. Pois, apesar disso, o que nele se encontra foi tomado a sério e, sob os auspícios do Instituto Histórico e o amparo oficial, cônego Benigno José de Carvalho e Cunha, que pra isso se oferecera, entrou ao sertão baiano buscando a cidade misteriosa.

Em junho de 1844 oficiou ao governador da província da Bahia, dizendo que desde o ano anterior andava naquela busca já descoroçoado de achar a tal cidade na margem direita do Paraguaçu e na serra de Sincorá. Levava um roteiro impresso pelo instituto e o combinava com as notícias que obtinha, convencido de que a cidade abandonada estava situada acima do Orobó. E terminava:

"Estes meus cálculos sobre o lugar da cidade abandonada acabam de ser confirmados por uma testemunha de vista. Indo eu ao Tingá, recebi uma carta de José Rodrigues da Costa da Otinga, na qual me diz que um negro cativo, morador com seu senhor no lugar que chamam serra do Orobó, que morou anos dentro dos maninhos, se me oferecia pra acompanhar e mostrar o quilombo, onde esteve, e a cidade que busco. Disse, esse negro, que o quilombo está fora da cidade abandonada, mas perto, que os negros do quilombo ali vão passear nos domingos e dá tão exata notícia das casas e entrada da cidade, das estátuas e do rio que corre defronte, que quadra completamente com o roteiro do Instituto e com o que eu calculara. Mandei chamar o negro e lhe prometi a alforria, porém o senhor não o deixou vir, pois mesmo tendo havido pessoa da Otinga que pretendeu comprar o negro o senhor não o vende por preço algum. Entretanto minha guia é o rio: Terei mais trabalho mas não deixarei de ter bom resultado. Há três meses que estou doente, não sei o mais que tem havido a respeito desse negro mas haverá 15 dias me instaram na Otinga pra apressar minha entrada, que tínhamos guia. Se Deus me der saúde entrarei depois de São João".

O crédulo cônego Benigno desde 1842 procurava aquela miragem, assinalada no documento aliteratado que citamos, sertões adentro. Em 23 de janeiro de 1845 se dirigiu, mais uma vez, ao tenente-general Soares de Andréa, governador da Bahia, confessando que, depois de percorrer a Serra do Sincorá e encontrar entre a gente velha dali tradição oral do episódio do veado branco que dera a conhecer aos aventureiros do século 18 a existência da cidade abandonada, repisou a história do negro que conhecia a tal cidade e pediu mais dinheiro.

Afirmou com solenidade: "Me animo a afirmar a V. Exa. que a cidade está descoberta. Mas, pra dar com mais brevidade esta gostosa notícia aos sábios do Brasil e da Europa, que estão com os olhos em mim pra saber, decerto, a existência dum monumento de tamanha transcendência prà história deste país, são necessários socorros, pois num terreno ocupado por negros e feras me é indispensável entrar com cautela, com gente armada e municiada e levar mantimento, porque daqui a dentro não há o que comer...".

Em julho de 1848 Manuel Rodrigues de Oliveira fazia uma comunicação publicada pelo Instituto Histórico, criticando a perambulação sem rumo de cônego Benigno e assegurando que as indagações deviam partir do local assinalado no manuscrito do século 18, a confluência e barra dos rios Paraguaçu e Una. Primeiro, porque ali, onde depois foi plantada a vila de Belmonte, se encontram fragmentos de móveis antiqüíssimos, de louças e ferramentas carcomidas, mesmo restos de alicerces e paredes. Segundo, porque dali ao centro, na fazenda Provisão, a 22 léguas [88km] de Camamu, se encontravam montículos de ruínas como de antigas ruas, fragmentos de louça pintada, escumalho de ferro, foices, machados e moedas de cobre à romana, tão grandes que delas os meninos faziam roda de carrinho. Mais adiante se veria a catadupa assinalada no papel de 1753. Terminava descrendo de que o cônego Benigno achasse algo e assegurando que guardava em segredo suas notícias sobre o assunto, certo de estar servindo à grandeza do Brasil.

Se fez, após esse comunicado, um grande silêncio sobre a cidade misteriosa do sertão baiano. Cônego Benigno morreu sem a ter achado. Manuel Rodrigues de Oliveira também. Do negro de Otinga que conhecia seu roteiro nem mais notícia.

Mas em 1886, quase 40 anos depois, o conselheiro Tristão de Alencar Araripe, em sua memória sobre Cidades petrificadas e inscrições lapidares no Brasil, escreveu: "A existência de cidades abandonadas no interior de nossos extensos e inexplorados bosques tem sido, às vezes, anunciada, e bem conhecemos o empenho com que esse instituto procurou verificar a notícia dada num roteiro escrito em 1753 e encontrado na Biblioteca Nacional desta corte... Cônego Benigno da Cunha, nosso consócio, hoje falecido, se incumbiu da investigação e descoberta da inculcada cidade. Nada pôde conseguir, se queixando da falta de recurso pruma indagação completa. E assim continua problemática a existência das ruínas descritas no roteiro".

É mais que provável que a relação de 1753 seja mera fábula criada por um sujeito de fértil imaginação, dosado de pretensão literária. Parece mais uma página de Rider Haggard, em As minas do rei Salomão, que um roteiro de verdade.

Até hoje já seria tempo de se ter qualquer notícia de tais ruínas com estátuas, praças e epigrafias, se tudo não passasse dum conto à dormir débout, história pra boi dormir ou lagartixa cair da parede, segundo diz, espirituosamente, nosso povo.
Gustavo Barroso
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Fonte: "Segredos e revelações da história do Brasil", Gustavo Barroso - Edições O Cruzeiro - 2ª edição - Agosto de 1961.

O monstro de praia Vicentina

Ipupiara
As formas espantosas dos animais antediluvianos entrevistas pelos homens pré-históricos nas cavernas geladas ou as suas ossadas imensas encontradas nos pântanos causaram profunda sensação que, transmitida através das gerações, deu, sem dúvida, origem a muitas das lendas de bestas híbridas e horrendas. E todos os povos primitivos misturaram as formas vivas da água e da terra nessa produção duma verdadeira fauna de pesadelo, que velhos livros nos descrevem e antigos documentos iconográficos nos apresentam pintados ou esculpidos.

Os chineses criam no grande dragão Tatsmaki. Os hindus na imensa tartaruga Kusmaradja, na fabulosa serpente Midgard, no bicho Saza, de cabeça de cobra, no Çafir, de bico de águia e corpo de cão, na Çaga, de cara de milhafre e cauda de flor. Os árabes himiaritas e nabateus no pássaro Roca e nas aves Homai. Os cafres na serpente Manika, que bóia no mar como a dos escandinavos. Os esquimós no Tupilek, que tem milhões de pés, de olhos e de dentes. Os finlandeses no misterioso Herlihanem, que envenena o ferro. Os polinésios no homem-porco ou porco-homem Tamampuá.

A lista é longa, variada e apavorante. A ela concorrem os assírios com o sinistro Lahmu, nascido da mistura de água doce e salgada, com homens-escorpiões, os touros-alados, anjos-gafanhotos e deuses-peixes. Os gregos com centauros, dragões, hidras, Quimera, Minotauro, górgonas, sereias e o Campé, morto por Dionísio, que revolvia campos, devorava povos e arrasava cidades.

Os egípcios com a Esfinge, a Fênix e os deuses chacais, cinocéfalos ou gaviões. Os japoneses com o Baku, que devora os sonhos, e o Raiboku, que ataca o raio e cai despedaçado em chuva de pedrinhas pretas. Os cingaleses com o Daity-Mura de cinco cabeças. Os judeus com o pavoroso peixe Leviatã e o Hud-hud, pássaro de ouro que conversava com Salomão. Os africanos com o Kamapa, tão grande que duma extremidade não se vê a outra, e o Seedinevé, que engole aldeias inteiras. Os navegadores antigos com o Kraken, polvo gigante12 que sugava navios e o peixe-bispo, que abençoava os náufragos na hora da morte.

Os apocalipses, os volucrários, os fisiólogos, os bestiários, as moralizações e os espelhos naturais, nomes dados, geralmente, na Idade Média, a obras que traziam notícia ou figura desses bicharocos tremendos, enumeravam monstros de arrepiar: Capricervos, Caprimolgos, Capricórnios e Tragelafos, mestiços de bodes, veados e serpes; Cepus, mescla de pantera, gazela e leão; Sarcófagos, touros carnívoros; Crocotas, lobos e cães ao mesmo tempo; Dpsades, Anfisbenas, Acôntias, Áspides, Cerastas, Fisalos, Ceprestas, Basiliscos, Cítalos, Pancadas, Kesiduros, Enhídrios, Ascalábios, Ptíades, Anerudutes, Sanglos, Rútelos, Estifos, Filolópios, Céncrinos, Amolotes, Heláganas, Atélabos, Cicriodes, Selsiros, Onocrócalos e Coquátris, espantosa série de répteis monstruosos, alguns que até zurravam como jumento.

A fantasia humana não teve limite na criação de tanta monstruosidade. Encontramos no estudo das fábulas antigas, a cada passo, as bestas apocalípticas: Hipocampos, hipogrifos, hipocervos, grifos, guivras, oquilis, unicórnios, rafos, tarandos, salamandras, catopléias, cinamolgos, lumerpas, bonasios, pastinacas, masticoras, senadios, mirags, saduzags e manhotes. Na hagiografia cristã os animais fabulosos aparecem ao lado dos santos: O dragão Cauquemar lanceado por São Jorge, a Tarasca aos pés de Santa Marta, a baleia Fisetério conduzindo São Brandão, o lobo voraz de Gúbio amansado por São Francisco de Assis e a gárgula dominada por São Romano.

Algumas dessas criações híbridas representam verdadeiros símbolos. O que é o Falmante, leopardo que estourava de gritar sem necessidade, senão a representação figurada de certos indivíduos? O que é o Mirmecóleo (Mimercoleão), leão na frente e formiga atrás, senão o emblema dos fracalhões, que roncam, aparentando força que não possuem? O que é o Presteros, cujo contato tornava imbecil, senão o retrato de certas pessoas e de certas épocas que espalham a imbecilidade e a estupidez?

Entre os portugueses também correu, quando revolviam mundos e mares na sede de aventura, a história dum desses bichos apavorantes. A contou Fernão Mendes Pinto em sua Peregrinação: Era avistado nos mares misteriosos da Indochina e se chamava Caquesseitão. Tinha corpo gigantesco, carregado de compridos e terríveis espinhos, e agitava à flor das ondas um longo rabo como de lagarto.

Nosso Brasil, em seu amanhecer, possuía um bicharoco desses, muito digno de se comparar ao Caquessitão de Fernão Mendes Pinto e a quaisquer dos outros aqui anteriormente enumerados. Na penumbra das primeiras idades de todos os povos sempre se agitam formas larvares. Não podíamos escapar à regra geral. A espantosa notícia nos foi dada por dois graves e sisudos historiadores. Um forrado de saber teológico, frei Vicente do Salvador, o outro forrado de saber gramatical, Pero de Magalhães Gândavo.

Escreve o primeiro, textualmente, no capítulo 10 de sua História do Brasil: Na capitania de São Vicente, na era de 1564, numa noite saiu à praia um monstro marinho, o qual, visto por um mancebo chamado Baltasar Ferreira, filho do capitão, que se foi a ele com uma espada e o peixe, se levantando direito, como um homem, sobre as barbatanas do rabo, deu no mancebo uma estocada na barriga com a qual o derrubou e, se tornando a levantar, com a boca aberta pra o tragar, lhe deu um altabaixo15 na cabeça com o que o atordoou. Logo acudiram alguns escravos seus que o acabaram de o matar, ficando o mancebo desmaiado e quase morto, depois de haver tido tanto ânimo. Era este monstruoso peixe de 15 palmos de comprido [3,3m], não tinha escama senão pele, como se verá na figura seguinte.

Apesar desse se verá na figura seguinte, nenhum desenho do monstro acompanhava o manuscrito de frade custódio e não nos dá o nome do fabuloso animal marinho. Encontraremos, tanto esse nome como a estampa em que vem retratado, em História da província de Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gândavo, edição de 1575, a primeira, 11 anos posterior ao aparecimento da besta, que foi em 1564.

Gândavo assim a descreveu: Era 15 palmos de comprido e semeado de cabelo no corpo. No focinho tinha cerdas muito grandes, como bigodes. Os índios da terra o chamam, em sua língua, Hipupiara,16 que quer dizer demônio dágua. Alguns como este já se viram nestas partes mas se acham raramente. E assim também deve haver outros muitos monstros, de diversos pareceres, que no abismo desse largo e espantoso mar se escondem...

Ao lado dessa descrição, a estampa do monstro sendo atacado a espada por Baltasar Ferreira, na praia de São Vicente: Hórrido aspecto antropomorfo e zoomorfo ao mesmo tempo. Decerto era essa mesma figura que frei Vicente do Salvador esqueceu de incluir em seu manuscrito, depois da haver citado. Nenhum outro documento iconográfico se conhece sobre ele em nossa história.

O rapaz que se diz ter atacado e matado a aterradora Hipupiara, segundo conta Pero de Magalhães Gândavo no capítulo 11 de sua obra já citada, de nome Baltasar Ferreira, era filho do capitão Jorge Ferreira, um dos companheiros de Martim Afonso de Souza na fundação de São Vicente. Se casara com a mameluca Joana, filha do misterioso taciturno e lendário João Ramalho, genro de Tibiriçá e um dos fundadores de São Paulo. Se encontra essa filiação em Nobiliarquia paulistana de Pedro Triques. Conta Hans Staden que um filho do mesmo Jorge Ferreira, quando este era capitão-mor de São Vicente, em 1556, fora morto e devorado a sua vista pelos índios. Não se sabe se era filho natural ou legitimo. Todavia não podia ser Baltasar Ferreira, pois este matou a Hipupiara em 1564, como depõem os historiadores a quem recorremos.

Como se vê, o matador do monstro marinho aparecido em São Vicente teve existência real e não é crível que a lenda do próprio monstro não se estribe num fato verdadeiro. As lendas são geralmente a fumaça ou as cinzas quentes da fogueira da história. Procurando uma explicação aceitável à Hipupiara, uma nota na introdução do terceiro volume da monumental História da colonização portuguesa do Brasil, aventa o seguinte: Se trata, muito provavelmente, dum exemplar do lamantino da América, vulgarmente conhecido por lobo-marinho ou leão-marinho, habitante da região antártica.

Difícil é se encontrar em tão reduzidas frases tantas cincadas em zoologia. O Lamantino, cetáceo herbívoro e fluvial, é um manatídeo. O da Flórida e do norte da América Meridional, que se chama, na Amazônia, peixe-boi, é o Manatus latirostris; o do sul do Brasil é o Manatus inunguis. O leão-marinho habita o oceano e não os rios como o peixe-boi. É uma otária, sendo que a espécie antártica se classifica como Otaria jubata ou cabeluda. Gândavo descreve a Hipupiara como semeada de cabelo.

Ora, nossos índios conheciam perfeitamente o Lamantino ou peixe-boi e não o tomariam por um bicho aterrador e fora do comum. Além disso, o episódio da Hipupiara se passou na costa do mar, onde os manatídeos não freqüentam. Quando muito seu aparecimento seria possível num estuário, com água ao menos salobra, o que não é o caso da praia de São Vicente. Assim, pra explicarmos racionalmente a presença daquele bicharoco no século 16 temos de admitir a hipótese plausível de se tratar dum verdadeiro leão-marinho, duma otária, Otaria jubata, dos mares do sul. Brehn, em sua Vida dos animais, disse que o leão-marinho, quando atacado, põe em fuga o homem mais corajoso, e o naturalista Steller, que lhe estudou os hábitos, conta que os canchadales tinham, em suas tribos, em alta estima os que já haviam matado um desses leões, por isso era prova da maior coragem.

Indicamos esta hipótese como plausível, porque é sabido que as correntes marinhas trazem e lançam sobre a costa meridional do Brasil, desde Rio Grande do Sul até São Paulo, cadáveres de pingüins e focas, entre os quais, às vezes, alguns exemplares vivos da fauna das regiões antárticas. Viajando no litoral, de Laguna a Torres, no Rio Grande, em 1935, vi, pessoalmente, dezenas desses cadáveres na praia do Soberbo. Nada há de extraordinário, portanto, na presença dum leão-marinho antártico vivo na de São Vicente.

Carlos Malheiro Dias aproveitou a luta de Baltasar Ferreira com a Hipupiara literariamente prum belo símbolo da colonização portuguesa do Brasil: Aquele adolescente São Jorge, prostrando com a espada o monstro que o arremete, é ainda o símbolo da vitória lusitana sobre o terror que emanava da terra virgem, das florestas obscuras e insondáveis, da ferocidade do arqueiro tatuado das selvas.

Gustavo Barroso
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Fonte: "Segredos e revelações da história do Brasil", Gustavo Barroso - Edições O Cruzeiro - 2ª edição - Agosto de 1961.

Lenda da "Não se Pode"

O nosso folclore é muito pitoresco e variado, em qualquer parte do Estado, no campo ou na cidade, vive muito saudável na alma de nossa gente, em prosa, verso ou canção, diz o Prof. Joaquim Ribeiro Magalhães, e prossegue: “Teresina possui muito dessa maravilhosa e ingênua criação popular, impregnada de um misticismo salutar de cuja moral parte um grito de alerta aos incautos para que não duvidem de que as coisas há”... O “Cabeça de Cuia”, “A Porca do Dente de Ouro” e a “Não se Pode”, são as maiores fontes inspiradoras.

Desta última conta-se que, certa jovem sempre percorria nas horas caladas da noite, as ruas de Teresina, de preferência do Alto da Moderação à Praça Saraiva. Muito alta, sempre caminhando a passos lentos, ninguém conseguia acompanhá-la Muitos foram aqueles a quem hoje chamaríamos de “paqueras”, que, inutilmente tentaram interceptá-la, pois sempre desaparecia como que por encanto.

Certa vez, já noite alta, um boêmio que tantas vezes tentara conquistá-la, conseguiu que parasse na Praça Saraiva e pondo o braço na cintura daquela enorme mulher, pediu-lhe beijos, perguntou seu nome, onde morava e outras coisas. Ela respondia estas palavras: ‘não se pode’. O contumaz conquistador deu-lhe um cigarro que ela logo levou aos lábios. O seu corpo já agigantado começou a crescer mais ainda até chegar à altura do poste em cujo lampião de gás tocou o cigarro. Após soltar uma longa baforada, sua boca transformou-se em um enorme bico que veio roçar o rosto do rapaz. Com voz rouca e desafinada, falou: “me dá um beijo”.

O moço, apavorado, disparou a correr, mas a mulher estava sempre ao seu lado, soprando em suas faces um bafo de mau odor. O canto de um galo cortou o silêncio da noite. “Foi tua salvação” — disse a estranha figura, desaparecendo.

Do escritor Bugyja Brito, temos noticia de “Maria não se Pode” no Jornal “O COMETA”, de março de 1976. Afirma ele que essa estória já era conhecida desde 1845, em Oeiras.

A crendice popular é de fértil imaginação. Há quem afirme ter visto “Maria não se Pode” a poucos passos, de frente. É descrita como uma mulher alta e fina, uma espécie de vara pau. Traja vestido branco e longo, tão longo que arrasta pelo chão, de voz cavernosa que perambula nos lugares soturnos como os ermos das matas e que fala pedindo cigarros aos que andam nas caladas das noites.

Vários boêmios atestam que chegaram a manter conversação com a “Não se pode”, nestes ermos ou pontos da cidade, estrada do Carcará, Praça da Matriz, Rua do Tanguitá, Alto do Rosário e Ponte Grande. Aqueles que, vencendo o medo fazem--lhe perguntas recebem como resposta “não se pode”. 

Fonte: "Folclore Piauiense tem Lendas Fantásticas" - Angela Delouche - Jornal Universitário, Recife, abril 1977.

Esfinges


Esfinges são imagens icônicas de um leão estendido com a cabeça de um falcão ou de uma pessoa, inventadas pelos egípcios do império antigo, mas uma cultura importada da mitologia grega.

A esfinge egípcia é uma antiga criatura mística usualmente tida como um leão estendido — animal com associações solares sacras — com uma cabeça humana, usualmente a de um faraó. Também usada para demonstração de poder, assim como as pirâmides no Egito. Vistas como guardiãs na estatuária egípcia, esfinges são descritas em uma destas duas formas:

Androsfinge (Sphinco Andro)- corpo de leão com cabeça de pessoa; Hierocosfinge (Sphinco Oedipus Rex)- corpo de leão com cabeça de falcão.

A maior e mais famosa é Sesheps, a esfinge de Gizé, sita no planalto de Gizé no banco oeste do rio Nilo, feito em dois ao leste, com um pequeno templo entre suas patas. O rosto daquela esfinge é considerada como a cabeça do faraó Quéfren ou possivelmente a de seu irmão, o faraó Djedefré, que dataria sua construção da quarta dinastia (2723 a.C.–2563 a.C.). Contudo, há algumas teorias alternativas que redatam a esfinge ao pré-antigo império – e, de acordo com uma hipótese, a tempos pré-históricos.

Outras esfinges egípcias famosas incluem a esfinge de alabastro de Mênfis, hoje localizada dentro do museu ao ar livre naquele local; e as esfinges com cabeça de ovelha (em grego, criosfinges) representando o deus Amon, em Tebas, de que havia originalmente algumas novecentas.

Que nome ou nomes os construtores deram às estátuas é desconhecido. A inscrição em uma estela na esfinge de Gizé a data de mil anos após a esfinge ser esculpida, dá três nomes do sol: Kheperi - Re - Atum. O nome arábico da esfinge de Gizé, Abu al-Hôl, traduz como Pai do Terror. O nome grego esfinge foi aplicado a ela na antigüidade. Mas ela tem a cabeça de um homem, não de uma mulher.

Havia uma única esfinge na mitologia grega, um demônio exclusivo de destruição e má sorte, de acordo com Hesíodo uma filha da Quimera e de Ortro ou, de acordo com outros, de Tifão e de Equidna — todas destas figuras ctônicas. Ela era representada em pintura de vaso e baixos-relevos mais freqüentemente assentada ereta de preferência do que estendida, como um leão alado com uma cabeça de mulher; ou ela foi uma mulher com as patas, garras e peitos de um leão, uma cauda de serpente e asas de águia.

Hera ou Ares mandaram a esfinge de sua casa na Etiópia (os gregos lembraram a origem estrangeira da esfinge) para Tebas e, em Édipo Rei de Sófocles, pergunta a todos que passam o quebra-cabeça mais famoso da história, conhecido como o enigma da esfinge, decifra-me ou devoro-te: Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três? Ela estrangulava qualquer inábil a responder, dai a origem do nome esfinge, que deriva do grego sphingo, querendo dizer estrangular.

Édipo resolveu o quebra-cabeça: O homem — engatinha como bebê, anda sobre dois pés na idade adulta, e usa um arrimo (bengala) quando é ancião. Furiosa com tal resposta, a esfinge teria cometido suicídio, atirando-se de um precipício. Versão alternativa diz que ela devorou-se.

O quebra-cabeça exato perguntado pela esfinge não foi especificado por vários contadores da história e não foi estandartizado como o dado sobre até muito mais tarde na história grega. Assim Édipo pode ser reconhecido como um limiar ou figura de soldado de porta, ajudando efeito a transição entre as velhas práticas religiosas, representadas pela esfinge, e novas, unidade olímpica.

Fonte: Baseado na Wikipédia.