quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Superstições

Muitas são as superstições que andam pelo interior do país, proporcionando vários aspectos do mais vivo interesse folclórico. Entre nós, mineiros, são conhecidíssimas algumas, entre as quais a assombração, o lobisomem, a mula-sem-cabeça.

E o que há de mais interessante é que são diversas as variações sobre estes seres imaginários, de região para região. Sobre a mula-sem-cabeça, por exemplo, dizem uns que um animal gigantesco, de cor branca, que por onde passa faz devastações. Outros, que tem cor escura e no lugar da cabeça há uma bola. Outros mais, na sua alucinação, chegam de cometer o paradoxo de afirmar que a mula-sem-cabeça põe fogo pelos olhos.

A quaresma é sobretudo a época propícia à ação maléfica de todos esses seres, produtos da imaginação fértil do povo. Por isto mesmo, nesta quadra do ano, todos se resguardam, recolhendo-se mais cedo, não trabalhando senão nas horas em que os mesmos são indiferentes. À boquinha da noite, tudo é silêncio. Ninguém ousa arriscar a sua curiosidade. Muito menos afrontar o perigo.

Tudo isto será arraigado nos usos e costumes e nas tradições do povo do interior que chega a constituir, em épocas determinadas, verdadeiros entraves ao trabalho e ao progresso.

Numa fazenda bem próxima a Juiz de Fora, de alto prestígio no passado, de casa grande e senhoril, soubemos de um caso interessantíssimo. Fechada permanentemente, a grande casa, de vez que os proprietários residiam na cidade e rarissimamente visitavam aquela propriedade, os morcegos passaram a habitá-la sem cerimônia.

Acontece que a velha fazenda foi vendida e os novos proprietários passaram a frequentá-la. No princípio, foi uma dificuldade, esconderijo que era de tantos e tão incômodos animais.

Na grande sala encontrava-se duas mesas de bilhar e, de vez em quando, a um movimento qualquer, as bolas, em deslizando pelo tablado, produziam ruídos que, à noite, comunicavam algo de estranho e fantástico. Algumas pessoas mais amedrontadas sugeriam sempre a presença de um espírito mau, de uma assombração, dizendo, então, que a casa estava mal assombrada. Toda casa de mais de um pavimento, seja dito casa velha, tem sempre uma escada de madeira, a qual emite, à noite, ruídos que assustam, o que é francamente explicável. Todavia, para com certas pessoas adiantaram qualquer explicação.

Entre os que começaram a frequentar a casa da velha fazenda, uma senhora que, em verdadeira crise de superstição — para não falarmos em neurose ou psicose do medo — não suportou a idéia de permanecer lá nem mais um minuto, tal o seu horror pela assombração.

E estava tão convencida da veracidade do que, por sua imaginação via e ouvia, que chegou ao cúmulo de afirmar que a casa estava realmente mal assombrada.

É que os morcegos, de noite, voavam em toda a extensão da sala e, de vez em quando, iam de encontro às bolas que, então, em se encontrando, produziam barulho.
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Bastos, Wilson de Lima. “Superstições”. A Tarde. Juiz de Fora, 29 de maio de 1967

Mitos secundários do Maranhão e Piauí - II

É o Piauí um viveiro de mitos, que não lhes transpuseram as fronteiras. Três deles são notáveis, tanto pelas denominações, quanto pelas lendas que os nimbam: o pé-de-garrafa, o cabeça-de-cuia e o barba-ruiva.

O pé-de-garrafa é uma espécie de caapora, pois, segundo Vale Cabral, além de habitar nas matas, "grita como um homem e deixa nas estradas as suas enormes pegadas, que, por se assemelharem ao pé da garrafa, lhe tomaram o nome".

O cabeça-de-cuia, mito fluvial, proveio da lenda de um filho mau, amaldiçoado pela justa cólera materna. Vive nas águas do Paranaíba, e, conforme o autor citado, "é alto, magro, de grande cabelo, que lhe cai pela testa, e, quando nada, o sacode"; além de comer, de sete em sete anos, qualquer moça que tenha o nome de Maria, até tragar ao todo sete Marias, o que lhe permitirá desencantar-se. Também devora os meninos que se atrevam a banhar-se naquele rio.

O barba-ruiva (que, não obstante tal designação, diverge totalmente do Barbarossa germânico, do poemeto de Rückert), mito lacustre anfíbio, promanou de um caso de infanticídio. É homem alvo, de estatura regular e cabelo avermelhado, que mora na lagoa de Parnaguá, ao sul do Piauí. Inofensivo para com os entes do seu sexo, a cuja aproximação se escapole para o fundo das águas, atira-se sofregamente às mulheres, somente, porém, para as abraçar e beijar… Diz Nogueira Paranaguá (‘A lagoa encantada’, in Litericultura, II, 53-56), que este duende é ali vulgarmente conhecido por "filho da mãe d’água".

Estudados por João Alfredo de Freitas, em seu trabalho sobre Superstições e lendas do norte do Brasil (Recife, 1884), também o foram esses mitos estudados por Leônidas e Sá, que, em dois artigos intitulados O folklore piauiense (Litericultura, II, 125-128 e 363-370), completou as asserções de Vale Cabral quanto aos acima definidos e ainda trouxe à coleção os da zona de Oeiras, denominados urué (ou barba-nova) e cabeças vermelhas, que se referem a pactos com o diabo, e uma espécie de velocino sertanejo, o carneiro-de-ouro (Campo Maior), de menor importância para o nosso folclore. A essa última crendice também dá registo F. J. de Santana Néri (op. cit, 32-33), que afirma haver-se ela propagado até às margens maranhenses do Parnaíba.

Como se vê por aí, foi fecundo na criação de mitos o imaginoso espírito do mestiço piauiense, certo influenciado por antigas lendas neerlandesas (holandesas), de um lado, e, do outro lado, pelas superstições de fundo católico.

Fonte: Jangada Brasil in O Folklore do Brasil - Basílio de Magalhães
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Basílio de Magalhães, professor, historiador, jornalista e folclorista, nasceu em São João del Rei, MG, em 17/6/1874, e faleceu na cidade de Lambari, MG, em 14/12/1957. Mestre do folclore brasileiro, foi um dos primeiros a aprofundar seu estudo e a atribuir-lhe significação erudita. Entre abril de 1941 e agosto de 1942 escreveu em Cultura Política, Rio de Janeiro, uma série de artigos sob o título “O povo brasileiro através do folclore”. Sobre folclore publicou O folclore no Brasil (com uma coletânea de contos organizada por João da Silva Campos), Rio de Janeiro, 1928 (2ª. ed., Rio de Janeiro, 1939; 3ª. ed., revista por Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro, 1960); O café. Na história, no fo/clore e nas belas artes, Rio de Janeiro, 1937 (2ª. ed., aumentada e melhorada, São Paulo, 1939).

Mitos secundários do Maranhão e Piauí - I

No interior do Maranhão (donde parece não ter migrado para nenhuma outra circunscrição política do Brasil), existe um mito singular, que se liga simultaneamente aos da lobis-mulher e do mboi-tatá: é a curacanga.

Conforme dados fidedignos, ouvidos de quem nasceu naquela zona e que me foram transmitidos pelo senhor J. da Silva Campos, é a seguinte a tradição ali corrente:

- Quando qualquer mulher tem sete filhas, a última vira curacanga, isto é, a cabeça lhe sai do corpo, à noite, e, em forma de bola de fogo, gira à toa pelos campos, apavorando a quem encontrar nessa estranha vagabundeação. Há, porém, meio infalível de evitar-se esse horrido fadário: - é tomar a mãe a filha mais velha para madrinha da ultimogênita, ou seja, a filha mais nova, caçula. [1]

1. Pádua Carvalho (apud F. J. de Santana Néri, Folklore brésilien, p. 31) refere-se ao capelobo, que no Pará é conhecido pelo nome de kumacanga, e que tanto pode ser o sétimo filho varão, oriundo de conúbio sacrílego, quanto a concubina de padre. Pelas noites de sexta-feira, o corpo fica em casa, despojado da cabeça, a qual sai pelos ares, transformada em bola de fogo. Assim, o mito da curacanga do Maranhão é o mesmo que o do Pará, divergindo apenas no nome, quanto à uma consoante. Viriato Correia, num dos seus livros de contos, dá à mula-sem-cabeça a apelação de cavalacanga, que ouviu entre os habitantes do interior maranhense.

Estudou o doutor Walter Hough os mitos de origem ígena do Novo Mundo (ver ‘Fire origin myths of the New World, in Anais do XX Congresso Internacional de Americanistas, I, 179-184), mas apenas se referiu ao dos índios norte-americanos. Se continuar tais investigações, por certo não se esquecerá ele de que na América do Sul há os do mboitatá, da curacanga e dos yakãrendys.

Fonte: Jangada Brasil in O Folklore do Brasil - Basílio de Magalhães
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Basílio de Magalhães, professor, historiador, jornalista e folclorista, nasceu em São João del Rei, MG, em 17/6/1874, e faleceu na cidade de Lambari, MG, em 14/12/1957. Mestre do folclore brasileiro, foi um dos primeiros a aprofundar seu estudo e a atribuir-lhe significação erudita. Entre abril de 1941 e agosto de 1942 escreveu em Cultura Política, Rio de Janeiro, uma série de artigos sob o título “O povo brasileiro através do folclore”. Sobre folclore publicou O folclore no Brasil (com uma coletânea de contos organizada por João da Silva Campos), Rio de Janeiro, 1928 (2ª. ed., Rio de Janeiro, 1939; 3ª. ed., revista por Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro, 1960); O café. Na história, no fo/clore e nas belas artes, Rio de Janeiro, 1937 (2ª. ed., aumentada e melhorada, São Paulo, 1939).

Crendices de dias, meses, anos e números

Há dias fastos e nefastos. A existência deles se deve em parte à religião oficial. Nos dias de guarda e festa religiosa, não se deve trabalhar, são nefastos para quem deseja ter saúde, fortuna, felicidade. O domingo é um dia fasto para quem o guarda, o observa, porém, nefasto para aqueles que não o guardam. 

"Trabalho de dia de domingo não vai para frente". Quando uma cousa é começada, não é terminada e durante o transcorrer dos trabalhos nela empregados não há sucesso, logo dizem: "isso é trabalho de domingo".

Joca Machado, barreou sua casa nova lá na rua do Socorro num domingo. Passados alguns meses, o barro havia caído todo... Manuel Dores observou: "tá vendo, isso é trabalho de domingo, não vai pra frente".

Outra recomendação para não se iniciar serviço algum é-nos dada através deste provérbio rimado:

Quando mingua a lua
não comece coisa alguma.


As fases da lua têm grande influência na vida agrícola, de guarda. Afirmam que antigamente nem feira havia. "Já se foi o tempo que na Sexta-Feira da Paixão, havia tanto respeito que os homens de bem da cidade, iam à igreja de luto fechado, só o tiravam no sábado depois da aleluia", suspirou o velho Pedro de Castro, narrando cousas do passado de sua terra natal. No Dia da Hora ou da Ascensão é comum encontrarmos nas casas ramos verdes – é a simpatia para que as moscas mudem para a casa dos amancebados. Há outro pedido que deve ser feito em jejum, em qualquer sexta-feira pela manhã:

Moscas malvadas,
da sexta pro sábado
estejam mudadas.


Coincide com os dias das feiras na comunidade a data da mudança das moscas incômodas que aborrecem os moradores.

Não percebemos a existência de mês aziago além de agosto. "Mês de agosto não presta pra fazê negócio". "Eu evito trabalhá nas matas no mês de agosto", disse o velho Anísio Jacaré, "eu não sei porque é, mas não gosto".

"Meis bom e feliz é o de São João e de Santana" (junho e julho), dizem várias pessoas da cidade, unindo a estas referências o fato das festas das fogueiras. O mês do São João é muito alegre na comunidade. Em três dias distintos há festas: Santo Antônio, São João e São Pedro. Com a festa de Santana (26 de julho) encerram-se as festas cíclicas do solstício do inverno, as festas das fogueiras.

"Quando eu era mais moço", disse Porfírio, "o meis que eu mais gostava era o de São João, eu festava o que dava".

É provável que o fato das festas, da alegria reinante por ocasião do solstício de inverno, lhes condicione uma apreciação favorável ao mês nos quais elas se realizam.

O mês de agosto é também deixado de lado para os casamentos, "não presta casá em agosto, morre logo um"; "não presta casá em agosto, a gente nunca é feliz, tudo dá pra trás na casa". "Não presta também casar-se na Quaresma".

Dos anos, só o bissexto é perigoso. Alguns dos acontecimentos de triste memória acontecidos na comunidade, quando relembrados, passaram-se num ano bissexto, ou relacionam com ele.

Mané das Dores, o maior conhecedor de adivinhas, de parlendas, de lendas, verdadeiro almanaque vivo da população, ao se referir aos meses veio com esta parlenda e depois fez uma conta nas juntas dos dedos com os ossos do metacarpo para elucidar melhor o que procurou ensinar:

De trinta dias é setembro;
abril, junho e novembro;
fevereiro vintoito dias tem
sendo bissexto mais um lhe dêm,
e os mais mês sete são
trinta-um dias todos terão.


O número 13 é o único portador de azar. O 7 é número de mentiroso. Há um parlenda infantil que ensina a contar, e o número "3 foi o Cão quem fez". O Cão é o diabo. Aliás, tal parlenda existe no estado de São Paulo: "um, dois, três foi o diabo quem fez". A variante de Piaçabuçu é: "um, dois, feijão com arroz; três, quatro, feijão no prato; cinco, seis... foi o Cão quem fez". Acreditamos que não signifique número de azar, porém, um rima fácil apenas, auxiliadora da memorização.

Os jogadores acreditam que este ou aquele número seja de sorte ou de azar, e como o jogo é bastante disseminado, há as mais variadas prevenções contra os números e cartas do baralho.

Disse um informante, "eu gosto muito do barrufo ou do francês, mas quando jogo os dados a primeira vez e cai a soma três, já sei que esse dia estou com o azar trepado no cangote, mas si dá o cinco, eu sei, tá prá mim, desforro".

Fonte: Medicina rústica - Alceu Maynard Araújo