sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O lobisomem botucatuense

Mito corrente dos mais populares em todo o território nacional, apresenta curiosas variantes em cada região. De São Paulo, a chamada “zona velha” figura entre as mais ricas em valores folclóricos. Ali, mais precisamente em Botucatu, fizemos estes apontamentos.

É o mais corrente em todo o município e, sem muitas variantes, nos municípios vizinhos de Bofete, Piramboia, Itatinga e Avaré. É igualmente conhecido nas cidades. Um dos primeiros ferroviários a residir em Botucatu, mais tarde aposentado e transferido para Sorocaba, referiu ali a Aloísio de Almeida seu encontro com um lobisomem urbano, à noite, na então rua do Comércio, próximo ao Bosque.

A única característica própria, neste caso, era de que ia o lobisomem muito vagarosamente, como se cansado. Possuía longas orelhas tatalantes, produzindo ruído semelhante ao de matracas e trazia aberta a boca.

Por três maneiras se pode tornar lobisomem: por sina, gosto e mordida. O destino marca inexoravelmente para o lobisomem o sétimo filho homem de um casal qualquer que por incúria ou descrença, não receba como padrinho ao irmão mais velho. Será lobisomem por gosto, e se o desejar, quem depois de vinte anos sentir atração irresistível pelo sangue, excrementos de galinha ou pelas andanças noturnas.

 O processo de encantamentos é comum. Encruzilhada. Sexta-feira. Meia-noite. Espojamento na areia. Nó nas mangas do paletó. A terceira forma é consequência das duas primeiras. Se um lobisomem de qualquer destas espécies morde a canela de um homem, este poderá ou não tornar-se por sua vez um lobisomem segundo o estado de pureza de sua alma. Se a vítima foi um cão e no mês de agosto, estará “louco”. Ficará “arejando” para o resto da vida se o fato ocorrer em qualquer outro mês.

E varia a hora de saída do lobisomem. Aquele que cumpre condenação do destino, já estará a vaguear pelas estradas desde as 10 horas. O voluntário, porém, requer a meia-noite. Câmara Cascudo, em sua Geografia dos mitos brasileiros, refere que já às 23 horas, o lobisomem está transformado. Mas a hora de se recolher é invariavelmente a mesma: duas da madrugada, imediatamente após o cantar dos galos.

Às vezes, o desencantamento ocorre naturalmente: depois de sete anos de fadário, se o infeliz não tiver cometido sacrilégio algum contra igreja ou atacado viúvas. Pode também ser provocado graças a um ligeiro ferimento a faca, atingindo-se, de preferência, as patas dianteiras.

O desencantamento poderá apresentar duas reações: se cumpria disposição do destino, agradece e cumula de bens o autor da façanha; se porém, tratava-se de um lobisomem voluntário, passará a odiar o intrometido contra quem tentará todas as vezes que lhe for possível, pois desde o momento do desencantamento, sua alma estará condenada à perdição. (Note-se aqui, a perfeita driscriminação das reações entre as duas formas de lobisomem. Geralmente, este prisma do mito não se encontra bem elucidado, confundindo-se seriamente os porques do proceder posterior do ex-licantropo).

São bem distintos o lobisomem rural e aquele urbano. Este é, de certa forma, ordeiro. Vive arredio, fugitivo do olhar humano. Vasculha os galinheiros à cata de excrementos recentes de aves de uma cor determinada, teme os cães e rodeia as cozinha sprocurando pela água de barrela que aprecia como sua melhor bebida.

Não é grande corredor e fica largo tempo à espreita das casas e coisas que lhe aptecem. (Talvez se deva ligar os detalhes da paciente espera e das visitas aos galinheiros ao fato de que antigamente, assim procediam os não raros raposões que abundavam pela zona, que a simplicidade da gente impressionável, facilmente identificou com o mito comum).

O lobisomem do campo é que parece condenado a tacar gente. (Qual a razão? Seria simples fato de que o campo, a mata, a treva e as longas extensões desabitadas sempre se prestaram melhor aos encantamentos? Ou o resíduo daquelas práticas sanguinárias que Klabund assinalou muito bem como praticadas pelos camponeses de toda a Europa, na Idade Média?). Possivelmente, também, influência do lobisomem italiano, o lupo mannaro, através de uma contribuição ao nosso folclore graças à larga massa de imigrantes fixados em nosso meio rural.

Bebe até saciar-se, porém sempre agoniado pela necessidade de sustar sua corrida. Quem se vê perseguido por ele encontra abrigo nos cemitérios ou pátios de capelas. Não teme símbolos individuais de proteção, nem exorcismos, mas uma cruz preparada com barba de bode e em seguida benta pela Quaresma mantém-no afastado de casa.

Os padres e, especialmente, a mãe do infeliz podem reconhecer seu drama, mesmo quando não no couro da fera. Moço que toda manhã de sábado (notem o dia da semana) amanhece sofrendo náuseas denuncia-se. Pior ainda se for magro, pálido, fastidioso, com só os olhos estranhamente luminosos.

Não ataca gente de seu sangue, mas, se casado, a esposa corre de contínuo risco. Somente pode salvar-se na fuga e nada a livrará da morte se alcançada e dominada por ele. (Influência, talvez e longínqua, do lobisomem gaúcho — um despeitado que paga o castigo de haver sido infiel com uma comadre da esposa).
Tamanho e forma? Aproxima-se mais de um perdigueiro médio. Cabeça sempre baixa, de ordinário trote regular, boca desmesuradamente aberta. E o característico infalível: enormes orelhas balouçantes, provocando o ruído que gera pavor e ao mesmo tempo serve como aviso.

Existem na mesma região paulista variações interessantes do e sobre o mito tão popular. Voltaremos para tratar delas.
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Fonte: NEVES, Guilherme Santos. “Folclore”. A Gazeta. Vitória, 07 de julho de 1963

Lobisomem


O mestre Luís da Câmara Cascudo, em seu Dicionário do folclore brasileiro, ao focalizar o verbete Lobisomem, nos diz da longevidade do mito universal, registrado, desde a mais remota antiguidade, por Plínio, o antigo, Heródoto, Plauto, Varrão, Santo Agostinho, Ovídio etc. etc. — mito que, — por universal — também se localizou na Península Ibérica, espantando a espanhóis e portugueses. De lá é que, certamente, nos veio, dentro das primeiras caravelas lusitanas.

De Portugal, cita o mestre um verso no Cancioneiro geral, de Garcia de Resende (1516), verso do poeta Álvaro de Brito Pestana: “Sois danado lobisomem…” Refer à crença lusa, segundo a qual o lobisomem é filho de comadre e compadre, ou de padrinho e afilhada. E pinta-lhe o retrato: “como homem: extremamente pálido, magro, macilento, de orelhas compridas e nariz levantado”; como animal, lobo, mas um lobo feio e mau, “um bicho grande, bezerro de alto porte, com imensas orelhas”.

O lobisomem continua a sua secular caminhada, o seu triste e sangrento fadário através do mundo. Está presente no folclore do Brasil e, da mesma forma, no folclore capixaba.

Por aqui, sabe e diz o povo que:

• o lobisome é bicho horrível, que carrega a gente;

• certas pessoas (homens, principalmente) viram lubisome às sextas-feiras de lua;

• quem entrar na igreja depois da meia-noite vira lubisome;

• o diabo, na noite de Sexta-feira Santa vira lubisome e vem para os quintais comer as galinhas, precisamente à meia-noite;

• nas sextas-feiras da Quaresma, não se deve deixar fora, expostas, as cascas de caranguejo (da torta); deve-se enterrá-las, para que não venha o lobisome lambê-las. Também corre, entre nós, esta crendice generalizada em todo o Brasil;

• Quem tem sete filhos seguidos (encarreirados), um deles ou o último será lubisome  (Crendice recolhida na Serra, em Santa Leopoldina e Vitória, mas, certo, corrente em quase todo o Espírito Santo).

Há, porém, um processo para evitar esse fado horrível: é o mais velho dos sete filhos ser o padrinho de batismo do último; com isso, desvia-se deste o destino terrível.

Já vi um lobisomem. Já o vi com estes olhos que a terra (breve) há de comer. Foi em Conceição da Barra. Guardei até o dia preciso: 1º de fevereiro de 1959. Feio, arrastando-se no chão, cabeça enorme e o corpo coberto de capim e estopa, o lobisomem que eu vi latia feito um cão danado, latidos surdos, ganidos como se ladrasse à lua. Na ocasião, alguns “marujos” assoviavam para ele, chamando-o ou atiçando-lhe a raiva, e também cantavam, ao som de pandeiros.

Evém, evém
Evém lubisome
Evém…


Aí o bicho beio mesmo, rastejando, “caçando” as pernas da gente, até que os mesmos “marujos” cantaram:

Evai, evai
Evai, lubisome
Evai…


E ele lá se foi, arrastando-se como viera, sob os risos, apupos e aplausos dos que presencíavamos a bela exibição do famoso Reis-de-boi de Santa (povoação pobrezinha, a quatro quilômetros de Conceição da Barra).
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Fonte: Jangada Brasil in: "Neves, Guilherme Santos. “Folclore”. A Gazeta. Vitória, 07 de julho de 1963".

Alimentação das almas

Nos sertões da Bahia, principalmente em Juazeiro, as cerimônias religiosas da Quaresma e Semana Santa não se restringem aos atos litúrgicos, celebrados nas igrejas pelos vigários da área. Entre os habitantes da zona rural, mantém-se viva uma manifestação do maior envolvimento místico: as cerimônias de alimentação das almas, uma maneira muito própria de rezar pelos seus mortos.

São quinze mulheres, em média. Algumas ainda crianças, não passam dos dez ou vinte anos. Cobertas por um lençol branco caminham lentamente pela caatinga, para o cemitério de Rodeadouro, um lugarejo no sertão sanfranciscano, próximo a Juazeiro. De longe, ouve-se um canto meloso, triste, lembrando o cantochão.

Esse espetáculo, raramente presenciado por pessoas estranhas, repete-se às quintas e sextas-feiras da Quaresma, no interior da Bahia. Ao lado de um outro, onde o misticismo do povo do interior atinge ao grotesco, quando homens se flagelam com chicotes de couro com pontas de metal, a “alimentação das almas”, é uma manifestação religiosa em extinção, mas que resiste desde o fim do século passado, em regiões da Chapada Diamantina, Monte Santo (no norte do estado) e nas margens do São Francisco.

À meia-noite, as “alimentadeiras” saem da capela de Rodeadouro para o cemitério, quatro quilômetros adiante, no meio da caatinga. As que seguem à frente do “cordão” conduzem velas acesas. No “cordão” apenas um homem: um rapaz que leva o “madeiro” — cruz feita de jatobá, de dois metros de altura. Na metade do caminho, a visão fantasmagórica, movendo-se lentamente em meio à escuridão, estanca. Uma voz estridente inicia uma ladainha ou um salmo. É o cântico iniciador da encomendação, ou alimentação, das almas.


A cerimônia lembra a via sacra. Divide-se, também, em estações. É o ruído da matraca — uma tábua de madeira com uma argola de arame grosso em cada lado, que produz um som seco quando agitada repentinamente — comanda um movimento brusco de genuflexão. A alimentadeira mais velha, dona do cordão entoa uma lauda. O coro responde rezando um padre nosso. Mais três laudas seguidas da oração, logo após todos cantam o senhor Deus. É a primeira estação.

Mais quarenta minutos de caminhada, a segunda estação é rezada e cantada, em cima de uns lagedões. A terceira estação já é no cemitério. Um cercado de 400 metros quadrados, com uma cruz caiada no centro. Já são duas horas da manhã, quando termina a última oração pela alma de diversas pessoas, antepassados, que foram enterrados ali. A procissão de retorno não é mais feita sob o comando da matraca, mas é acompanhada de cânticos lúgubres.

A alimentação das almas é uma manifestação religiosa que se repete nessas regiões, onde o envolvimento místico das populações chega, às vezes, a ser severamente combatido pelos párocos das freguesias mais próximas. Por isso, o cordão é fechado, não permitindo a participação de todo mundo. A dona do cordão recebe a incumbência da própria mãe, depois de preparada através dos anos. Essa herança perdura a cada geração. É a maneira própria de rezar pelas almas dos parentes e amigos, que a cada ano se realiza na Quaresma. Na Sexta-feira da Paixão, a cerimônia requer um toque de solenidade: todas as indumentárias e os lençóis que encobrem as alimentadeiras são utilizados especialmente para a ocasião.

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Fonte: Site Jangada Brasil in: "Alimentação das alma - Viver Bahia - Salvador, março de 1976".

Lenda da Gruta que Chora

"Gruta que Chora" - Praia de Sununga, Ubatuba-SP.
Contam lá nas bandas da Sununga (1) que há bastante tempo um moça muito bonita, de nome Marcelina, vivia com sua mãe na mais completa alegria. A jovem tinha a pele suavemente morena, olhos claros e cabelos negros, era belíssimo seu corpo de menina nova, graciosa como o quê.

De uma hora para outra, sem que nada acontecesse, Marcelina deixou-se cair prostrada em sua cama simples, sem vontade nenhuma, nem sorrir a bela moça queria. Sua mãe, Sinhá Anália, já havia percebido, não sem preocupação, que a menina estava diferente e parecia piorar conforme os dias se sucediam. Tentou de tudo, chás de ervas, banhos de folhas e flores, mas nada fazia efeito.

Sinhá Anália contava para as comadres o que estava acontecendo com sua menina e todos diziam que era problema de idade. Inconformada, perguntava à filha o que estava acontecendo, mas a menina era categórica, jurava que nada havia de errado e que comia pouco ou quase nada para não ficar gorda como umas mulheres que vira na cidade certa vez.

Não podia ser normal aquilo, Sinha Anália bem o sabia, ainda mais depois que virou rotina acordar durante a madrugada com os soluços da filha. Como pensasse que era tristeza, conteve ao máximo seu ímpeto de correr ao quarto de Marcelina para saber o que se passava. Até que não resistiu e surpreendeu a moça soluçando palavras desconexas, como se pedisse para alguém não partir. A garota estava sozinha no quarto!

Depois de ser flagrada pela mãe, não restou alternativa a não ser contar a verdade. Foi com perplexidade que a mulher ouviu palavra por palavra, tudo meio sem nexo, sobre a história do dragão que morava na Toca da Sununga. Todo mundo conhecia o caso na região e até mesmo evitava passar por aquelas bandas. Os pescadores nem se atreviam a chegar perto porque as ondas gigantes engoliam canoa, rede, tudo. As pessoas sabiam que o tal monstro existia, mas só Seu Antero tinha visto. Era um bicho horroroso, tinha metade do corpo de dragão e a outra metade era roliça, como uma cobra, e se rastejava no chão.

Pois bem, desde que Seu Antero falou do dragão que vivia na gruta, Marcelina não parou de pensar nele, com um misto de medo e curiosidade. Contou à mãe que de tanto pensar no bicho, ele foi lá ter com ela, entrou no quarto no meio da madrugada. Vendo o assombro de Sinhá Anália, tentou acalmar a mãe, já idosa, dizendo que ele ficou encolhido, tão pequeno, que parecia não fazer mal a ninguém, até que virou um homem. A mulher não podia crer no que estava ouvindo, era loucura da sua filha, teria que chamar um doutor, aquilo de mostro virar homem não era certo, ainda mais dentro de sua própria casa. Depois falou que tinha passado a noite embalada nos braços daquele lindo moço de olhos claros.

Mesmo depois de uma noite tão especial, a garota sentiu-se infeliz porque o moço partiu logo ao amanhecer, quando o galo cantou três vezes. Ela ficou no quarto chorando, sem disposição para nada, só pensava em esperar a noite chegar para receber a visita do amado. Agoniada, a mãe da jovem, só podia rezar para todos os santos que conhecia, até promessa fez.
   
Demorou muito tempo para aparecer um velho pobre, andarilho, batendo à porta de Sinha Anália em busca de um prato de comida. Ao entrar na casa, como faltasse assunto, a mulher foi logo narrando o drama de sua filha. Ouviu calado, inexpressivo, e ao fim do relato, disse já ter ouvido, bem longe dali, falar do monstro que atormentava a população daquele bairro. Por tal motivo ele estava lá, para expulsar aquela criatura do mal. Era uma espécie de mago e sabia como fazer isto.

Logo o bairro todo estava sabendo da vinda do ancião e na manhã seguinte todos se acotovelavam em frente à Toca da Sununga. Já no local, o pobre monge ergueu os braços e fez o sinal da cruz, acompanhado de todos que estavam lá, fez uma prece ao Senhor e espargiu sobre a pedra que forma a toca um pouco da água que carregava consigo. Para espanto dos presentes, imediatamente um trovão violento fez estremecer a terra, e o mar se agitou violentamente, avançando sobre a praia, chegando a bater nas rochas. Depois as águas recuaram e o mar abriu-se ao meio, bem em frente à toca, por onde o mostro passou, horripilante, rugindo, para se esconder definitivamente nas profundezas do oceano.

Ninguém mais até hora ouviu falar do dragão. Dizem que Marcelina viveu por muito tempo, acanhada e triste, porém bela como sempre fora!

“Hoje, quem se postar no interior da lendária gruta, perceberá cair lá de cima, das ranhuras da pedra, uma seqüência de pequeninas gotas que se infiltram na areia branca e fina que alcatifa o chão. Dizem alguns que são remanescentes gotas da água benta espargida pelo monge, que ainda caem a fim de que o dragão jamais possa voltar. Outros, porém, afirmam que são lágrimas de Marcelina, que lá voltou muitas vezes na esperança de que o dragão, feito moço bonito, ainda voltasse para ficar com ela a noite inteira até os albores da manhã!”.

(1) Praia da Sununga, localizada na parte Sul de Ubatuba-SP.
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Fonte: Lugares do Mundo.com in: "Ubatuba, lendas & outras histórias - Washington de Oliveira".

O vale das sete mortes

Ainda hoje são muitas as regiões inexploradas do globo, e não é de se excluir que próximo de outros teatros de mistérios tremendas destruições sejam trazidas à luz do sol. Na Índia não deveriam ser poucos, tendo em vista as abundantes referências que se encon­tram nos livros antigos; e uma dessas plagas alucinantes poderia ser identificada com o "vale das sete mortes", cuja localização é mantida secreta pelas autoridades de Nova Délhi, na tentativa de evitar que algum louco, seduzido pelas lendas que falam de imensos tesouros, se entregue a uma aventura quase sempre fatal, como aconteceu aos companheiros de um tal Dickford, há setenta anos.

Graham Dickford era um daqueles aventureiros que pululavam no século passado, procurando alcançar riqueza de qualquer maneira, arriscando mesmo a própria vida ou, até mesmo, a dos outros.

Os funcionários britânicos na índia souberam da existência desse aventureiro em 1892, quando foi recolhido em míseras condições nos arredores de uma cidadezinha, e imediatamente internado num hospital. Em frases entrecortadas, Dickford contou ter escapado de uma experiência pavorosa: junto com outros colegas do seu tipo, o aventureiro conseguira localizar um misterioso vale no coração da selva e nele penetrar. Alguns indianos tinham-lhes contado que lá havia um templo abarrotado de fabulosos tesouros; mas ao invés da sonhada montanha de ouro e pedras preciosas, encontraram uma série de indescritíveis horrores.

Todos os seus companheiros morreram e, embora Dickford tivesse conseguido escapar aquele inferno, tinha as horas contadas: uma violenta febre o sacudia em contínuos tremores, sobre a cabeça ferida não restara um só fio de cabelo e o corpo estava coberto por terríveis queimaduras. Narrou a aventura em delírio, entremeado por gritos desesperados, falando num "grande fogo voador", de "sombras da noite", "fantasmas que matam com o olhar". As várias tentativas de se obter um relato compreensível foram vãs: de hora em hora a narrativa se tornava mais confusa e, três dias após ter sido encontrado, o aventureiro morria de maneira horrível, gritando e agitando-se a ponto de pôr em fuga, aterrorizados, os enfermeiros indianos.

A história de Graham Dickford foi a primeira notícia sobre o vale infernal. Ninguém o levou a sério, até que, em 1906, uma expedição organizada pelas autoridades britânicas confirmou o relatório do desditoso caçador de tesouros — pagando, no entanto, com duas vítimas a incursão ao que foi definido como "um caldeirão de bruxas da natureza".

Naquele ermo mortal reúnem-se os representantes das mais venenosas espécies de serpentes que a Índia hospeda, e também os monstros do reino vegetal se agrupam num amontoado de inúmeras plantas venenosas. Sobre esse horrível vale corre o "grande fogo voador" que o chefe da outra expedição assim descreve: "É suficiente acender uma pequena chama para que a terra seja sacudida por um estrondo infernal e nasça uma labareda que salta de um extremo ao outro do vale".

Muito estranha foi a circunstância em que os dois exploradores ingleses perderam a vida: descendo num estreito "funil", começaram a fazer movimentos curiosos, desordenados, para em seguida tombar no chão. Os companheiros se precipitaram em seu socorro, mas só puderam recuperar os cadáveres, tendo que abandonar rapidamente o local por causa do aparecimento de sintomas de atordoamento e sufocação. Durante a noite tiveram pesadelos terríveis, e um sentimento de inexplicável mal-estar se manteve por muitos dias.

Em 1911, uma segunda expedição penetrou no vale. Dos sete homens que entraram (todos veteranos da selva, habituados a qualquer perigo), somente dois voltaram: chegando ao centro de um espaço situado entre baixas colinas, os outros cinco de repente começaram a rodar em círculo, como autômatos, surdos aos chamados dos companheiros que se mantiveram fora da zona. Em seguida, caíram fulminados.

Um grupo de caçadores veteranos e decididos, que oito anos mais tarde entrou no "vale das sete mortes", encontrou 17 esqueletos humanos. Nem essa expedição saiu intacta: três de seus componentes se atiraram, sem motivo aparente (até a alguns minutos estavam brincando e rindo com os outros), do topo de uma parede rochosa, indo espatifar-se sobre as rochas.

Alguns estudiosos acreditam poder explicar os sinistros fenômenos que se verificam no "caldeirão das bruxas", atribuindo-os a gases naturais, uns inflamáveis, outros capazes de bloquear os centros nervosos provocando colapsos mortais, e mencionando também jatos de vapor de ácido carbônico que, em um clima peculiar, favoreceriam o desenvolvimento de plantas venenosas e o aparecimento de serpentes.

"Coisas demais num espaço pequeno demais", dizia Einstein, embora não a esse respeito. Os argumentos expostos, de qualquer ma­neira, não são absolutamente satisfatórios, sem contar que os "fantasmas" de Dickford, que "matavam com o olhar", não encontram sequer uma simples tentativa de explicação.

Devemos tentar com a "teoria espacial"? Poderíamos então pensar numa série de assombrosos fenômenos provocados pelo emprego daquelas armas termonucleares e daqueles engenhos ainda mais poderosos, que as descrições dos antigos textos indianos permitem entrever... e voltar ao Vale da Morte americano, aos seus répteis rastejantes, lá onde nenhuma outra forma de vida poderia sobreviver, às suas árvores monstruosas, aos vapores irrespiráveis, às fantasmagóricas luzes que — segundo nos conta o Doutor Martin — "surgem de repente do chão, tomam formas que lembram, às vezes, as humanas, deslizam na noite, ora muito lentamente, ora como relâmpagos, serpeiam, erguem-se como chamas, artelhos, de colunas de fogo branco, arremessam-se contra o céu..."
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Fonte: KOLOSIMO, Peter - Antes dos Tempos Conhecidos -  Edições Melhoramentos - 4.a Edição  - 1968.

Uma experiência semelhante a morte


As opiniões certamente se dividem quando se trata de experiência semelhante à morte. Alguns estudiosos do assunto acreditam que é uma genuína previsão do mundo após a morte, enquanto outros acham que os sintomas não passam de alucinação. Poderá a realidade da experiência algum dia ser provada? Recentemente, foi feita uma tentativa por Kimberly Clark, assistente social do Harborview Medical Center, em Seattle, Washington.

A primeira experiência aconteceu enquanto Kimberly estava trabalhando com uma paciente chamada Maria, migrante que visitava parentes na cidade quando foi vítima de um ataque cardíaco. Ela sobreviveu à crise, porém sofreu um segundo chamado da morte enquanto se recuperava no hospital. Como estava assistida por sofisticada tecnologia hospitalar, Maria foi fácil e prontamente revivida. A assistente social visitou a paciente naquele mesmo dia. Ficou perplexa, quando ela declarou:

- Aconteceu algo muito estranho quando médicos e enfermeiras cuidavam de mim. Eu me vi olhando de cima, enquanto eles trabalhavam em meu corpo.

Pouco impressionada com a história, Kimberly imaginou que Maria tivesse ficado confusa em razão do sofrimento. Mas a assistente-social mostrou mais interesse quando a paciente disse que, enquanto estava flutuando fora de seu próprio corpo, ela "voou" até a ala norte do terceiro andar do prédio e viu um tênis.

- Ela precisava que alguma outra pessoa soubesse que o tênis estava realmente ali para validar a visão - afirmou Kimberly, que subiu ao terceiro andar à procura do tênis, emocionada e confusa. Finalmente - revelou a assistente social -, encontrei um aposento onde encostei meu rosto no vidro, olhei para baixo e vi o tênis.

Do ponto em que estava, não podia ver que o tênis estava desgastado do lado e que o cadarço se encontrava embaixo do calcanhar. Isso, além de outros detalhes não visíveis para mim, e que Maria só poderia tê-los visto se pudesse flutuar pelo lado de fora do prédio, tendo outra perspectiva em relação ao tênis. Peguei o tênis e levei-o para a migrante. Para mim, essa foi uma prova bastante concreta.

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Fonte: O Livro Dos Fenômenos Estranhos - Charles Berlitz

Dupla identidade

Kate, garota criada em Yorkshire, Inglaterra, sonhava em casar com "um oficial do Exército que usasse ternos de lã cinza e paletós de tweed, que tivesse bigode, fumasse cachimbo e dirigisse um carro esporte".

Na adolescência ela mudou para Toronto, onde conheceu um homem que correspondia perfeitamente àquela descrição. Seu nome era John Tidswell, oficial do Exército canadense e piloto amador de carros de corrida. Ele se divorciou da primeira mulher e casou com Kate em 24 de novembro de 1956. O casal teve três filhos - dois meninos e uma menina. O casamento deles parecia ser extremamente feliz.

Um dia, durante a última semana de julho de 1970, no entanto, John pegou sua chalupa para um passeio no lago Simcoe, a quase 60 quilômetros de casa. Ele não voltou. As equipes de busca e salvamento conseguiram encontrar a embarcação avariada, mas nenhum sinal de John Tidswell. No dia 8 de outubro de 1971, um tribunal declarou-o legalmente morto.

E as coisas ficaram nesse pé até alguns anos mais tarde, quando Kate Tidswell de repente começou a sonhar intensamente com o falecido marido. Os sonhos eram de tal forma perturbadores que em 1979 ela procurou um médium, em busca de explicação. O médium disse-lhe que John ainda estava vivo, morando em outro lugar e com o nome de "Halfyard".

Kate iniciou uma busca que a levou a percorrer treze Estados. Ela não encontrou o marido, porém seus sonhos e as palavras do médium deixaram-na convencida de que ele estava vivo em algum lugar.

Nesse ínterim, um homem de Denver chamado Robert Halfyard estava tendo problemas jurídicos. Ele ganhara uma viagem à Europa, mas, quando foi tirar o passaporte, as autoridades investigaram seus antecedentes e descobriram quem era realmente: John Tidswell. Arquitetara a própria morte e abandonara a família canadense para iniciar vida nova nos EUA.

A "viúva" do militar de pronto deixou de receber a pensão a que tinha direito. Sem perda de tempo, ela processou-o, exigindo o pagamento de 100 mil dólares de pensão alimentícia para ela e filhos.

Kate Tidswell declarou a alguns repórteres que estava tentando ver algum "lado bom" na situação.

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Fonte: O Livro Dos Fenômenos Estranhos - Charles Berlitz