terça-feira, 9 de julho de 2013

Aflições de uma cabeça decepada

Este título sinistro que bem ficaria na capa de um romance policial de pura imaginação é, entretanto, a rigorosa epígrafe que com a justiça cabe à macabra experiência feita alguns anos, mas só há pouco divulgada, porque só há pouco foi comunicada às sociedades chamadas "sábias" da Europa.

Wiertz, célebre pintor belga amador do ocultismo, foi sempre, como muitos outros, atormentado pelo desejo de saber o que pode pensar um guilhotinado no momento em que o pescoço e, se possível, depois, depois de tal momento.

Esse artista de nome universalmente e honrosamente conhecido foi o herói da experiência aludida. De um certo modo, ele submeteu-se em pessoa à ação do horrível aparelho da morte que tornou famoso, aliás erroneamente, o Dr. Guillotin, dado como seu inventor.

Wiertz era intimamente ligado com um médico de prisão de Bruxelas. Um outro médico, seu amigo também, guiava-o nos estudos ocultos e como se dedicasse mais particularmente ao magnetismo, havia frequentes vezes, adormecido o artista no qual encontrara magníficos "dons de exteriorização da sensibilidade", fenômeno cuja pesquisa imortalizou o célebre Coronel de Rochas, antigo diretor da Escola Politécnica de Paris.

Ia se realizar na capital belga uma execução capitalíssima...

Alguns dias antes, Wiertz se submeteu, diversas vezes, a ação magnética de seu amigo que, quando o paciente se achava adormecido, "o habituou a se identificar com várias pessoas", buscando fazê-lo penetrar no mais íntimo do pensamento desses terceiros, nas dobras mais recônditas das suas consciências.

Se ele conseguisse também penetrar no espírito do condenado à morte? Era uma ideia, tétrica certamente; mas talvez viável e seguramente interessantíssima.

Ao cabo de um certo treino diário, a ação se tornou por assim dizer mecânica. Wiertz repetia, sob o influxo magnético de seu amigo e com uma precisão prodigiosa, essa experiência que s magnetizadores fazem frequentemente nos teatros adivinhando o esconderijo de um objeto ou um nome inscrito num pedaço de papel, porque lêem esses informes no pensamento da pessoa que escondeu o objeto ou no da que escreveu a palavra.

Concluído esse primeiro preparo, o pintor obteve a permissão de se ocultar, no dia da execução, juntamente com o seu amigo magnetizador e duas testemunhas, sob o estrado em que se elevaria a guilhotina.

Feita a magnetização, o médico ordenaria a Wiertz que se identificasse com o criminoso, que seguisse os seus pensamentos e experimentasse tosas as sensações que o próprio executado experimentaria, exprimindo-as em voz alta. Ser-lhe-ia ordenado mais que, quando a cabeça rolasse no cesto de serragem, colocado junto aos experimentadores, se agarrasse a ela, penetrasse e analisasse os seus últimos pensamentos e o exprimisse como se fosse o próprio executado.

A decapitação


Chegou, enfim, o sinistro dia. Tudo se passou como fora previsto e preparado. Wiertz, o médico e as testemunhas estão escondidos sob a guilhotina. O paciente é magnetizado. O condenado, vacilante, galga os degraus do cadafalso. O momento é tétrico. O cutelo cai...

— Diga o que vê! — ordena o médico imperioso.

Wiertz se torce de medo em medonhas convulsões e responde num gemido de angústia:

— Um relâmpago! O raio caiu!... Oh! que horror! Ele pensa ainda!.... Ele vê!...

— Diga o que pensa, dia o que vê! — exige o magnetizador.

— É horrível! A cabeça sofre atrozmente. Sente, pensa; mas não compreende bem o que passou... A desgraçada procura o corpo... Parece-lhe que este vai se juntar a ela novamente... Espera ainda o golpe supremo... Espera a morte... Mas a morte não chega!...

Durante esse diálogo atroz, a cabeça do decapitado caíra no cesto com os cabelos para baixo e a horrível chaga sanguinolenta do pescoço cortado para cima... Os lábios estão abertos numa expressão hedionda, os músculos do rosto contraídos num rito trágico, os dentes cerrados, como se se quisessem reciprocamente partir... As artérias batem precipitadamente no lugar em que o cutelo as seccionou e o sangue delas jorra aos borbotões...

Wiertz, de olhos fechados, prossegue nas suas dolorosas lamentações:

— Oh! que mão é esta que me estrangula? É uma mão enorme e impiedosa. Oh! que peso é este que me esmaga? Diante dos meus olhos só há uma nuvem vermelha... Oh! Livrem-me desta mão maldita! Larga-me, monstro! O meu sangue se esvai!... Mas que é isto? Onde está o meu corpo?... Eu sou agora apenas uma cabeça cortada!...

E o pintor se cala, então, como se desmaiasse.

Mas o magnetizador, implacável, continua impiedoso, ordenando num tom que não admitia tergiversação:

— E, agora, vamos! Diga o que vê! Diga onde está!

— Vôo pelo espaço — responde o outro — como se fosse um pião que rodasse vertiginosamente lançado numa fogueira. Oh! É horrível! O meu corpo! Ligai-me a ele novamente! Ainda poderei viver! Ainda me lembro de tudo! Tende piedade de mim! Ainda vejo o tribunal!... A toga vermelha dos juízes!... Ouço a minha condenação! Oh! minha desgraçada mulher! Oh! meu pobre filhinho! Não, eles não me amam mais! Tem horror de mim!... Pobres entes queridos!... Se me dessem, outra vez, meu corpo, eu correria atrás deles e seria um homem de bem!... Oh! É horrível! Meu filho me repele!... Sujei-o de sangue com a minha cabeça ao querer beijá-lo!... Que martírio cruel! Quando acabará tudo isto? Será este o Inferno? É o suplício eterno que começa?!...

Neste momento o médico e as testemunhas vêem, na cesta, colocada ao seu lado, a cabeça do condenado abrir os olhos num sofrimento indizível.

E Wiertz termina assim:

— Não!... Não é possível. Deus não pode ser um algoz como o que me guilhotinou... Esta dor não pode durar eternamente! Deus é misericordioso!... Mas, que és isto? Tudo quanto pertence à Terra desaparece diante dos meus olhos... Percebo ao longe uma pequenina estrela que lança fulgores como um diamante... Que grande bem-estar o que deve reinar lá no alto!... Como sinto a calma penetrar todo o meu ser!... Como me sinto aliviado!...

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Foi impossível ao magnetizador arrancar mais uma só palavra ao pintor que caiu num sono profundo. Ele tocou, então, as têmporas da cabeça seccionada. Estavam gélidas. Levantou-lhe uma pálpebra: apareceu um olho vidrado que perdera o fulgor do seu último clarão entrevisto um minuto antes.

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Essa assombrosa experiência de exteriorização da sensibilidade será mesmo a cena vivida da passagem de um guilhotinado para o Astral?


(Demetrio de Toledo — Diretor de "Sombra e Luz", revista mensal de Ocultismo e Espiritualismo Científico).

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Fonte: Revista "O Malho", de 24/10/1937.

sábado, 6 de julho de 2013

Que desejava Fawcett afinal?

Coronel Fawcett
No mais entranhado da selva brasileira, na região mais desconhecida, inexplorada e desconforme, cortada por gigantescos rios, fecha o seu mistério para o planalto central, com suas tribos temíveis, suas feras e suas riquezas dignas das páginas das mil e uma noites, a história de Fawcett. Há por ali, o espectro fantástico de um passado, cujas trevas, a História ainda não conseguiu desvendar.

Percorrer aquelas trilhas é como caminhar num planeta distante, ou num oceano de folhas. Em cada ramo, há um perigo. Por trás de cada tronco, espia o imponderável. A alucinação persegue o viajante. Em todas as crônicas dos bandeirantes e exploradores do sertão imenso, mescla-se o divino com o humano, o fantástico com o real.

Lendas majestosas envolvem a selva. Ouro, ouro, ouro... E houve quem visse, na bárbara e cerrada floresta, ruínas de cidades de mármore, esculpido e outros vestígios de remotas civilizações. A lenda avolumou-se, o mistério da selva fez delirar as cabeças audaciosas. Sábios, exploradores e estudiosos, arquitetaram teorias e temeridades. Pensou-se que a milenar Atlântida, berço da civilização, seria hoje, o planalto central do Brasil, e que o mar verde da selva amazônica, de Mato Grosso, das regiões ignotas, entre cerros e pântanos inexpugnáveis, existiria ainda, uma civilização diferente da nossa, vinda em linha reta, do fundo das idades.

Mas foram os europeus que se, embrenharam na selva, uns com as bandeiras que dilataram os horizontes da Pátria, outros como missionários e outros, como exploradores. Entre estes, Fawcett.

A história de Fawcett

Como outros, o coronel Fawcett que andava havia vinte anos pela selva brasileira, como participante das comissões de limites de fronteira, sentiu-se um dia, fascinado pelas lendas da selva virgem. Em 1925, acompanhado de seu filho Jack e do explorador norte-americano Raleigh Rinsell, internou-se pela região até então inexplorada do Xingu, com auxílio do governo que lhe forneceu uma escolta e subsídio. Pouco depois, uma centena de quilômetros adiante, Fawcett despediu a escolta e apenas acompanhado dos seus, internou-se mais e mais no inferno verde. Parecia tomado de uma ideia fixa. Dizia-se que no Rio de Janeiro entrara em comunicação com espíritos e recebera mensagens do Além. Trazia uma flor mágica que esperava prodígios numa região onde eles eram pródigos. E julga-se que, no decorrer das suas viagens pelo sertão, recebera notícias dos índios que lhe faziam prever fulgurantes descobertas.

Já no ano anterior, o coronel Fawcett com a mesma mira ostensiva das rebuscadas atlântidas, embrenhara-se na região mesopotâmica do Paranapitinga e do Xingu. A selva, porém, fora, fora inexpugnável. O coronel, no ano seguinte, com o filho e amigo, insistiu, pelo mesmo trilho impossível. Por quê? O que buscava ele nesta insistência pela mesma senda de dificuldades e perigos?

Em julho de 1925, perto do rio das Mortes, a missão Fawcett deixou de ser conhecida no mundo. Os três aventureiros sumiram-se no mar vegetal de Mato Grosso. Em busca de quê? Não se sabe ao certo. Ir ao centro dos sertões procurar as ruínas de marmóreas da Atlântida parece façanha de visionário. E as circunstâncias que envolvem a sua excursão pelo matagal, demonstram que a milenar Atlântida, serviu apenas de disfarce à audaciosa caravana. O que parece provável é que Fawcett procurava as minas de ouro descobertas por Bartolomeu Bueno, o célebre "Anhanguera" dos índios, até hoje inexploradas por não ter sido possível localiza-las de novo. O roteiro seguido por Fawcett encaminhava-se para o local provável das minas, que no dizer dos antigos, são mais ricas do que as de Minas Gerais.

Ofir, as amazonas, Salomão e as descobertas do "Anhanguera"

Quem pode precisar onde estava a lendária Ofir dos tempos de Salomão, onde o potentado ia buscar as suas riquezas? Quem pode deixar de ligar o nome da grandiosa região brasileira, com as amazonas de que falam as lendas, as célebres mulheres guerreiras que defendiam a terra a ferro e pedra? Numa de suas incursões temerárias, Bartolomeu Bueno descobriu as minas a que chamou dos Martírios e de onde trouxe uma pepita de ouro que ofertou a Nossa Senhora da Penha, em São Paulo. Falhos de material para exploração, o bandeirante e sua gente regressaram ao litoral. O sertanista morreu, legando ao seu filho um roteiro impreciso, com o qual, no ano seguinte, uma nova bandeira se internou na selva em busca do imenso tesouro.

Não foi possível encontrá-lo. Homens e haveres perderam-se na expedição. Outras foram empós, procurando as minas de deslumbramento. Nunca as encontraram. Depois dessas malogradas expedições, deixou-se de procurar as minas dos Martírios. As jazidas famosas, passaram ao domínio da lenda, e houve mesmo quem duvidasse de sua existência. Ninguém mais se embrenhou nesses sertões - que, em 1924 e 1925, Fawcett devassa, em perseguição da Atlântida...

A presumível ossada do cel. Fawcett
É certo que os bandeirantes paulistas, assim contavam de minas de ouro e diamantes, falavam de cidades maravilhosas, mergulhadas na selva inextricável. Na Biblioteca Nacional existe um manuscrito datada de 1753, onde se conta que, no decurso de longas peregrinações pelo sertão, bandeirantes encontraram uma cidade magnífica, fortificada, que parecia ter sido destruída por um terremoto, e descrevem-na assim:

"Tem à entrada, três arcos gigantescos, com inscrições, e logo a seguir uma rua com casas de dois andares, as frontarias em pedra esculpida. Uma das pedras tem o relevo de um adolescente quase nu, coroado de louros, e armado de escudo. Penetramos nas casas, mas não vimos móveis ou quaisquer objetos. No fim da rua, encontramos uma enorme praça, com uma coluna de granito no meio, e, ao alto, a estátua de um homem de pé, com o braço direito apontando o Norte. Noutro ponto havia um palácio magnífico. Mais além um templo, com naves de granito, esculturas, emblemas diversos, e quantidades de ornatos."

O manuscrito relata mais maravilhas da cidade deserta, envolta nas ramarias verdes dos cipós. Outros bandeirantes deixaram relatos de cidades, com portadas de prata e ouro, colunas de prata, e mais fabulosas riquezas.

Fawcett, porém, desapareceu

De quando em quando, surge alguém que pertuba o mundo com a sombra de Fawcett. O engenheiro francês Conteville que em outubro de 1926 andou entre o Rio de Janeiro e Lima, numa entrada perigosa, aludiu a Fawcett, dizendo tê-lo encontrado em Mato Grosso, estropiado e febril, fechado numa atitude hostil para o europeu que invadia a selva onde ele investigava. Em agosto de 1927, o etnógrafo alemão Sandknehler declarou que encontrara Fawcett em Diamantina, pela mesma época em que Conteville declara tê-lo encontrado num local diametralmente oposto.

O sertanista Villas Boas segura o presumível crânio de Fawcett, ao lado do índio intérprete Narro.


Em 1928, o norte-americano Dyott percorreu os sertões em busca de Fawcett e diz ter recolhido a certeza de que o explorador havia sido morto por antropófagos. Contudo, o nosso governo afirmou desde logo que, pelo menos no lugar onde Gyott apontava o desaparecimento, não existiam antropófagos, mas apenas algumas tribos mansas. E continuou a novela em torno do explorador. A viúva afirmou que sabia, por comunicações espíritas, que seu marido continuava vivo prisioneiro dos índios, e que voltaria breve à civilização, portador de maravilhosas revelações. Um outro viajante surgiu, para informar que Fawcett vivia na Bolívia, como fazendeiro. Por fim, o caçador Ratin atirou ao mundo a notícia de ter encontrado Fawcett, preso na tribo dos Morcegos, índios que não existem na América do Sul...

Preso, assassinado com seus companheiros, Fawcett desapareceu, isso é certo, no inferno verde. As minas do "Anhanguera", as cidades maravilhosas da Atlântida, continuam ignoradas entre a muralha vegetal.

E a selva terrível continua a guardar o seu mistério.

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Fonte: "A Noite Illustrada", de 08/06/1954 - Texto: Roberto Ruiz.