quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Casa


Há dois anos, quando estive doente, tive durante várias noites seguidas o mesmo sonho, disse ela. Passeava no campo: percebia ao longe, uma casa branca, baixa e longa, cercada por um bosque de tílias. À esquerda da casa havia um grupo de álamos que quebrava artisticamente a simetria do cenário, e o topo das árvores que se percebia ao longe balançavam por cima das tílias.

No meu sonho, sentia-me atraída por aquela casa e me dirigia para ela. Uma barreira pintada de branco fechava a entrada. Adiante se seguia uma alameda cuja curva tinha bastante graça. Essa alameda era bordada de árvores sob as quais encontrei as flores da primavera: primaveras, anêmonas, que murchavam logo que eu as colhia. A alameda desembocava poucos passos antes da casa. Diante desta, estendia-se um grande gramado. Só havia ali algumas florinhas arroxeadas.

A casa, construída com pedras brancas, tinha telhado de ardósia. A porta, de carvalho bem claro, era numa pequena varanda. Eu desejava visitar aquela casa, mas ninguém respondia ao meu chamado. Ficava terrivelmente desapontada, batia, gritava, mas ninguém me atendia.

Era assim o sonho que se repetiu durante longos meses com uma precisão e uma fidelidade únicas. Acabei pensando que havia visto em minha infância aquela casa e aquele parque. Entretanto, ao acordar não podia me lembrar e essa procura tornou-se, para mim, uma obsessão tão forte que certo verão, tendo aprendido a guiar um pequeno veículo, decidi passar minhas férias nas estradas de França, tentando descobrir a casa de meu sonho.

Não lhe contarei minhas viagens. Explorei a Normandia, o Poitou, a Touraine: nada encontrei e, na verdade, isso não me surpreendeu muito. Em outubro voltei a Paris, e durante todo o inverno continuei a sonhar com aquela casa branca. Na primavera recomecei meus passeios pelas vizinhanças de Paris. Certo dia, quando atravessava um vale perto de Isle Adam, senti subitamente um choque agradável. Essa emoção curiosa que se experimenta quando se reconhece alguém depois de longa ausência.

Se bem que nunca tivesse visitado aquela região, conhecia perfeitamente a paisagem que se estendia à minha direita. Cimos de alamos dominavam uma massa de tílias. Através da folhagem, ainda leve, espaçada, divisava-se a casa. Então eu soube que tinha encontrado o castelo de meus sonhos.

Não ignorava que, cem metros mais adiante, um caminho cortaria a estrada. O caminho estava bem no lugar onde eu imaginara. Tomei-o. Levou-me a uma barreira branca.  De lá partia a alameda que eu tinha seguido tantas vezes em sonho. Sob as árvores admirei o tapete de cores claras formado pelas flores. Quando saí da alameda, vi o gramado verde e a pequena varanda com a porta de carvalho bem claro. Desci do carro, subi rapidamente os degraus e toquei.

Tinha medo que ninguém respondesse, mas, quase imediatamente, apareceu um criado. Era um homem de rosto triste bem velho e vestindo um paletó negro. Ao ver-me, pareceu muito surpreendido e olhou-me com atenção, sem falar.

— Vou pedir-lhe um favor um pouco estranho, disse eu. Não conheço os proprietários desta casa, mas teria muito prazer se êles me permitissem visitá-la.

— O castelo está para alugar, minha senhora, e eu estou aqui justamente para receber os visitantes.

— Para alugar? Que sorte inesperada! Por que os proprietários não habitam uma casa tão bela?

— Os proprietários moravam aqui, madame. Deixaram a casa porque ela estava mal assombrada.

— Mal assombrada? Isso não me preocupa. Não sabia que nas províncias francesas se acredita ainda em fantasmas.

— Eu não acreditaria, madame, se não tivesse encontrado muitas vezes, à noite, a mulher que visitava o parque, a aparição que fez com que meus patrões fugissem.

— Que história! — disse eu rindo.

O velhinho me olhou com um ar de censura.

— A senhora não deve rir, uma vez que o fantasma de que eu falo era a senhora mesma!


Conto de André Maurois
Fonte: Revista da Semana, de 09/02/1946.

O Espectro de Bayreuth


A cidade de Bayreuth, na Alemanha, é conhecida no mundo pelo seu teatro wagneriano. Os alemães, porém, a conhecem também pelo seu castelo mal-assombrado. Segundo a lenda corrente aparece, de tempos em tempos, uma espécie de Dama Branca, que inclusive, andou perturbando o sono dos generais franceses que neste castelo se alojaram por ocasião da ocupação francesa em 1806. 

Durante muitos anos não se falou do espectro de Bayreuth. No começo dos anos 1920, no entanto, voltou à baila, perfeitamente ressuscitado. Nessa época muitos relataram que a Dama Branca se instalava todas as noites no teatro local no lugar do regente da orquestra, agitando uma batuta fantasma...

A Weisse Frau (Dama Branca) ou Espectro de Bayreuth, fez suas aparições também, durante muitos anos, em outros castelos reais alemães, sobretudo nos de Karlsruhe, Berlim, Darmstadt e Neuhaus, na Boêmia. Vestida de branco, era inofensiva, limitando-se a inclinar a cabeça quando se encontrava com alguém.

Num passado mais remoto, corriam rumores entre os Hohenzollerns, a família real da Prússia, de que ela era vista antes da ocorrência de catástrofes e mortes na família. Em Dezembro de 1628, a Dama Branca apareceu no palácio real de Berlim e disse: — Vinde, julgai os rápidos e os mortos! Eu aguardo o meu julgamento.

Uma lenda a identifica com o espírito de uma mulher do século XV, Bertha, ou Perchta, von Rosenberg, de Neuhaus, que de noite visitava os quartos de bebês reais para embalar as crianças enquanto as amas dormiam. Quando certa vez uma ama, aterrorizada, a viu, ela disse: — Eu não sou, como tu, uma estranha entre estas paredes. Eu sou da família, e esta criança descende dos filhos dos meus filhos.

Os Hohenzollerns explicavam a Dama Branca como sendo o fantasma da condessa Agnes de Orlamünde, emparedada viva por ter envenenado os próprios filhos. Era por vezes descrita vestida de preto e branco, as cores da Prússia. A sua aparição foi documentada pela primeira vez em 1486 no Palácio de Bayreuth, e diz-se que foi vista pela última vez no começo dos anos 1920 no teatro da mesma cidade.

A morte de Frederico I, o primeiro rei da Prússia, em 1713 foi precipitada pela sua crença na Dama Branca. A sua segunda mulher, que sofria de uma loucura ligeira, costumava vestir-se de musselina branca. Certa tarde, escapou-se das suas aias e atravessou uma porta de vidro antes de entrar nos aposentos de Frederico. O rei acordou da sua sesta e ficou tão aterrorizado ao ver a aparição vestida de branco com sangue a escorrer pelo vestido que adoeceu. Morreu pouco depois, convencido de que a Weisse Frau o tinha amaldiçoado.


Fontes: Revista da Semana, de 15/09/1923; Lendas arte e literatura gotica.blogspot.com.