domingo, 7 de fevereiro de 2016

A Transformação em Lobo


Nas crenças e lendas do vampirismo, o morto-vivo não tem apenas o poder de se transformar em morcego. À noite, quando ele sai do túmulo, torna-se lobo... como se à floresta, às montanhas, aos ermos que rodeiam o seu domínio apenas fosse adequada essa forma flexível, também ela feita para a astúcia, essa forma que mata. 

Mas o uivo de lobo (que sendo dado pelos cães chamamos vulgarmente o uivo da morte) não é somente um uivar animal. É o instinto, a resposta, assim que o lobo se apercebe do poder oculto e magnético da Lua. O vampiro-lobo – dizem as lendas – uiva à Lua.

Ele cumpre um tipo de cerimonial gelado. O vampiro que tem o poder de ficar com o aspecto de lobo não é somente um amante da licantropia. Não é um monstro isolado, perdido na noite e entregue à sua forma animal. Ele contém todos os instintos secretos do animal, todos as suas forças... e mesmo para além disso (padres ortodoxos houve que lhe deram certo crédito). Uma vez que ele tem a faculdade de liderar entre os lobos e os morcegos, o reino animal reconhece nele, por instinto, a energia oculta que lhe vem de antes da morte.

A lenda não esqueceu o peculiar poder do vampiro quando fala nos cães uivando à volta de sepulcros e de animais meios enlouquecidos pela presença do morto-vivo. O animal reage primeiro que o homem, porque compreende antes deste o que representa um vampiro. «Quando ele apareceu de repente ao pé de mim», escreve Stoker no Drácula, «eu direi ter ouvido apenas a sua voz elevar-se e tomar um tom de profunda autoridade. Vi-o então a meio da rua. Estendia os longos braços como que para empurrar um muro invisível. Os lobos deixaram de uivar e recuaram lentamente. Nesse momento a Lua foi coberta por uma nuvem e de novo ficamos envoltos em profunda escuridão. » E acrescenta mais à frente: «E, contudo, pondo-me à escuta, ouvi lá muito longe, no vale, mais lobos uivar. Os olhos do conde brilhavam e exclamou: ‘Escutai-os, são as criaturinhas da noite, e que música eles fazem! ...’»

Homem-morcego, homem-lobo, o morto-vivo tem imensos poderes para se transformar; mas o mais estranho é aquele que lhe permite desmaterializar-se quase totalmente, tomando a forma etérea de um raio de lua ou de um simples pirilampo.

Este fenômeno é dos mais complexos. Trata-se de um ponto de energia minúsculo, de uma intensidade incrível. Um pouco como certos pontos negros do tamanho de uma cabeça de alfinete e que aspiram tudo o que os rodeia nos espaços intersiderais.

É o poder final do vampiro. Assim, o vampiro não possui apenas um corpo, mas vários. É, pois, impossível dar-lhe um único nome, ou atribuir-lhe um só aspecto.

Quem é o príncipe Drácula? Um fantasma de forma imprecisa, toda feita dessa «coisa» a que se chama vampiro, à falta de outros nomes que se lhe deem. Mais que um corpo ou uma forma, ele é um conjunto de energias vivas, larvar, que uma vontade forte prolonga além morte.

Hoje em dia, dificilmente se aceita que um ser possa existir para além do túmulo, possuindo o poder de se transformar em lobo, em morcego ou em pirilampo. A superstição tomou conta desta terrífica criatura. Um Barba-Azul da noite, um monstro bebedor de sangue. Seja onde for, ele encarna para nós o medo... o medo da morte.

Nas tradições do mundo da magia, afirma-se que o poder do vampiro depende unicamente da sua vontade. Mas essa vontade nada tem a ver com as vontades humanas, pois ela não habita um corpo vivo. A superstição diz que os vampiros apenas saem em noites de Lua cheia, como se a sua atividade noturna dependesse essencialmente daquele astro.

Tratamos de voltar atrás, às antigas civilizações, para compreender bem a importância do seu culto dedicado à deusa Istar que, como Hécate, representa o aspecto mágico da Lua.

Sobre uma tábua da Caldeia, conservada no Museu Britânico, pode ver-se o traçado da epopéia mitológica. Relata-se aí a descida de Istar ao país dos mortos.

Chegada às portas da morada infernal, chama e pede sob ameaça: «Abre a tua porta senão saltarei a vedação, galgarei os montantes e farei que os mortos se ergam para devorar os vivos, e que venham a exercer sobre estes o seu poder. »

Para os mágicos de Nínive, Istar reina entre os mortos-vivos, isto é, sobre os que venceram a morte. Tal como a todos os que a veneravam como toda poderosa, assegurava viverem sempre na morte.

Depressa as crenças populares afirmaram que os defuntos podiam vencer o túmulo se tivessem desejo de sangue de um vivo. Do mesmo modo que, na mitologia grega, Eurípides representa Aquiles numa armadura dourada, em pé sobre o túmulo, bebendo sangue de uma virgem sacrificada em sua glória.

Mais lamentáveis parecem ser esse tipo de vampiros, mulheres feiticeiras da Roma antiga que tinham a faculdade de se transformar em aves de rapina para vir saborear sangue humano. «Vistas durante a noite atravessando os céus, e sem que nem as portas ou fechaduras as detivessem, iam estrangular as crianças e devorar-lhes o fígado. »

Os partidários do culto da magia mergulham no fascínio do sangue porque se sentem vulneráveis, ameaçados como todas as formas de vida terrestre. O batismo do sangue para o vampiro é ao mesmo tempo blasfêmia e perversão. Deve agir como armadura e protegê-lo contra a morte.

E como uma imitação do batismo de luz, do sacramento do Espírito Santo, ligação indissolúvel entre Deus e o homem. «Revesti-vos de Cristo», clama S. Paulo aos Romanos.

A imagem do túmulo ilumina-se de outra forma. A luz é vertical, cai como um projetor potente e elimina todas as obscuridades.

Segundo os evangelistas, Cristo visitou os mortos: «Também aos mortos foi anunciada a Boa Nova, a fim de que, julgados segundo os homens na carne, eles vivam segundo Deus no espírito. »

O vampiro nega a ressurreição. Ela pretende pegar a morte com o seu próprio punho, com a ajuda do seu querer pretende escavar a sua cova no inferno e aí fazer a sua morada, sem o auxílio de Deus.


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)

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