domingo, 7 de agosto de 2016

13 Superstições de Casamento


O pensamento de que certas coisas podem trazer boa ou má sorte vem desde o início dos tempos, está presente em todas as culturas e, quase sempre, segue as convicções religiosas. No casamento não é diferente, existe diversas superstições. Veja algumas:

1. Segunda sim, terça não, sexta sim. Esta superstição está relacionada com os astros associados a cada dia da semana: Segunda, o dia da Lua, atrairia abundância e felicidade. Já sexta, por ser o dia de Vénus, prometia casamentos cheios de beleza e amor. Pelo contrário a terça, por ser associada a Marte, previa um casamento de guerras.

A verdade é que a grande maioria dos casamentos se realiza ao sábado, mas se decidirem casar durante a semana é possível que encontrem preços bastante atrativos. Existe ainda uma outra superstição que diz que casar no dia da semana em que o noivo nasceu traz sorte ao casal. Será que anula o efeito da azarada terça?

2. Os noivos não se podem ver antes do casamento. Esta superstição remete-nos para os casamentos combinados em que se temia que o noivo mudasse de ideias quando visse a noiva. Por isso era preferível mantê-los sem se verem. Hoje em dia não faz muito sentido pensar desta forma, mas se se quiserem surpreender mutuamente, esta é uma excelente oportunidade!

3. Mesmo que os noivos já vivam juntos, devem passar a noite anterior ao casamento separados.

4. Chover no casamento é sinal de boa sorte.

5. Chuva de arroz ao sair da cerimônia significa um casamento com fertilidade.

6. Evite rosas amarelas. Na época vitoriana foi publicado um livro, "A Linguagem das Flores", em que era atribuído um significado a cada flor. Às rosas amarelas associou-se o ciúme e é por isso que se desaconselhava o seu uso nos casamentos. No entanto, esta é uma tradição que caiu em desuso e a verdade é que existem magníficos arranjos com rosas amarelas!

7. A noiva não deve usar pérolas, pois elas podem representar as lágrimas ao longo da vida de casado.

8. A noiva não deve remover o seu anel de comprometida até ao dia do casamento, para não dar azar ao casamento.

9. O véu representa para alguns a juventude, para outros a pureza que será descoberta pelo homem e para os mais supersticiosos protege dos maus espíritos, inveja ou ciúmes.

10. A noiva deve usar algo novo, algo velho, algo emprestado e algo azul. Algo novo por ser o símbolo do começo de uma nova etapa. Um acessório velho pela relação da noiva com o que foi sua vida antes deste dia, para o que vai ser após o matrimônio. Algo emprestado significa a união e confiança de uma amizade. Uma jóia ou roupa de cor azul, representando a fidelidade dos noivos.

11. Se cai uma aliança, o seu dono morre. Esta superstição diz que se cai uma das alianças a pessoa que a ia usar morre. Não faz qualquer sentido pensar nesta eventualidade. Mas, e especialmente se forem levadas por uma criança para o altar, é preferível prendê-las com uma fita para que não se percam e, assim, evitem ter de pedir a todos os convidados que as procurem.

12. A noiva e o noivo cortam juntos a primeira fatia de bolo para assegurarem uma vida de partilha.

13. A noiva deve entrar em casa ao colo do noivo. Dizia-se que a noiva estava especialmente vulnerável a espíritos malignos que entrariam pela sola dos pés. Para evitar tal infortúnio, o noivo levava a noiva ao colo para casa, protegendo-a. Pode não ter muito fundamento, mas é muito romântico. Mas atenção! Quem levar os pés no chão tem de entrar com o pé direito!


Fontes: Casamentos.pt; Daniela Leal - Noivas e Estética.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Bernie Wrightson: Os Primeiros Anos

Bernie Wrightson (Dundalk, Maryland, EUA, 27/10/1948) trabalha profissionalmente como artista de quadrinhos de horror e ilustrador de fantasia desde 1968. Seu primeiro trabalho profissional publicado foi para as linhas de terror da DC Comics intituladas House of Mystery e House of Secrets.

O trabalho de Bernie para a DC também incluiu seu clássico Swamp Thing, de 1972 a 1974. Ele passou também a ilustrar uma série clássica de histórias para Warren Publishing em seus títulos emblemáticos Creepy (Arrepiante) e Eerie (Estranho). Dark Horse republicou recentemente sua versão ilustrada do clássico de Frankenstein de Mary Shelley.

Abaixo um desenho de Bernie, publicado por um fã-clube (fanzine), na revista Creepy #9 (junho de 1966):


Antes de Bernie começar a trabalhar para a DC Comics, e em seus primeiros dias como um profissional de quadrinhos, ele muitas vezes fornecia desenhos aos fanzines, que eram revistas publicadas por fãs dos quadrinhos e que, na maioria das vezes, em pequena quantidade de exemplares. Estes fanzines deram a Bernie e outros artistas de sua geração, a oportunidade de aprimorar suas habilidades e manter seu trabalho na frente dos fãs. Abaixo está uma seleção dos primeiros trabalhos de Bernie de alguns desses fanzines.

Capa para o Metro Con program book de 1971:


Uma rendição precoce de Victor Frankenstein a seu monstro a partir do fanzine Colour Your Dreams, publicado pela Capitol City Comix em 1972. O desenho é provavelmente de 1968:



Outra versão do monstro de Frankenstein. De Spa Fon #5, publicado em setembro de 1969:


Um desenho sinistro do personagem "Peter Piper". Publicado na capa traseira do Infinity #3, vol. 2, de 1971:




Fonte: Fantasy Ink - Bernie Wrightson: The Early Years

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A Ilha dos Pinheiros


Por muitos anos, viveu perto da cidade de Gallipolis, em Ohio, um velho chamado Herman Deluse. Pouco se sabia de sua vida porque, além de não falar de si próprio, não permitia que os outros o fizessem. Havia entre a vizinhança a crença de que fora um pirata — crença que, ao que se sabe, baseava-se apenas em sua coleção de lanças de abordagem, espadas e velhas pistolas de pederneira. 

Vivia completamente só numa pequena casa de quatro aposentos, caindo aos pedaços e que nunca recebia reparos, a não ser quando as intempéries o exigiam. Ficava numa pequena elevação, no meio de um campo imenso e pedregoso onde cresciam espinheiros, com alguns canteiros cultivados, mas de forma bem primitiva. Aparentemente, era sua única propriedade, mas dificilmente poderia dar-lhe sustento, por mais simples e poucos que fossem seus desejos.

Ele parecia sempre ter dinheiro à mão, pagando à vista pelo que obtinha nas lojas das redondezas e raramente comprando mais de duas ou três vezes no mesmo lugar, a não ser após um intervalo considerável de tempo. Mas não recebia elogios por essa distribuição igualitária de sua freguesia. As pessoas estavam mais propensas a encarar aquilo como uma tentativa infrutífera de esconder que possuía muito dinheiro. Nenhuma alma honesta, ciente dos fatos da tradição local e possuindo um mínimo de bom senso, seria capaz de duvidar que ele tinha montanhas de ouro roubado enterrado em algum ponto de sua propriedade decadente.

No dia 9 de novembro de 1867, o velho morreu. Ou pelo menos seu corpo foi encontrado no dia 10, tendo os médicos atestado que a morte ocorrera cerca de 24 horas antes. Como ocorreu, não souberam dizer. Porque os exames post-mortem mostraram que todos os órgãos estavam perfeitamente saudáveis, sem qualquer indício de doença ou violência. Segundo eles, a morte teria ocorrido por volta do meio-dia, embora o corpo tivesse sido encontrado na cama. O veredicto do júri foi o de que "ele morreu pela vontade de Deus".

O corpo foi enterrado e a administração pública assumiu a propriedade. Uma investigação minuciosa não descobriu nada que já não se soubesse a respeito do morto e as pacientes escavações feitas em vários pontos da casa por vizinhos sonhadores e parcimoniosos resultaram infrutíferas. Os administradores trancaram a casa a fim de evitar que ficasse exposta ao tempo, enquanto a propriedade, imóvel e bens, era posta legalmente à venda para cobrir, ao menos em parte, as despesas da transação.

A noite de 20 de novembro foi de tempestade. Ventos furiosos varreram os campos, açoitando-os com pancadas de chuva de granizo. Árvores imensas foram arrancadas do chão, interrompendo estradas. Nunca se vira na região uma noite tão terrível quanto aquela, mas na manhã seguinte a tempestade perdera o fôlego e o dia nasceu claro e limpo.

Às oito da manhã, o reverendo Henry Galbraith, pastor luterano muito conhecido e estimado, chegou a pé à sua casa, que ficava a pouco mais de dois quilômetros da propriedade de Deluse. O Sr. Galbraith estivera fora, em Cincinnati, por um mês. Subira o rio num barco a vapor e, ao chegar em Gallipolis na noite anterior, arranjara um cavalo e uma carroça, tomando o caminho de casa. Mas a violência da tormenta retivera-o durante a noite e, já de manhã, com tantas árvores caídas, acabara por abandonar cavalo e carroça, continuando a jornada a pé.

"Mas onde você passou a noite?", perguntou a mulher, assim que ele acabou de contar sua aventura.

"Com o velho Deluse na Ilha dos Pinheiros(*)", respondeu rindo. "Mas passei um mau pedaço. Ele não se importou de me deixar ficar lá, mas sequer me dirigiu a palavra.”

Felizmente, no interesse da verdade, estava presente a essa conversa o Sr. Robert Mosely Maren, advogado e literato de Columbus, o mesmo que escreveu os deliciosos Documentos da arte do humor. Percebendo, embora aparentemente sem compartilhá-la, a surpresa causada pela resposta do Sr. Galbraith, o sarcástico Sr. Maren sustou com um gesto as exclamações de espanto que naturalmente se seguiriam e, com toda tranquilidade, perguntou:

"E como foi que o senhor conseguiu entrar lá?”

Esta é a versão do Sr. Maren para a resposta do Sr. Galbraith:

"Vi uma luz se movendo dentro da casa e, completamente cego pela tormenta, além de estar quase congelando, entrei pelo portão e amarrei o cavalo na cerca do velho estábulo, onde ele está até agora. Em seguida bati na porta. Como ninguém atendeu, resolvi entrar. A sala estava escura, mas eu tinha fósforos e acabei achando uma vela, que acendi. Tentei entrar no aposento ao lado, só que a porta estava trancada e, embora ouvisse os passos pesados do velho lá dentro, ele não respondeu a meu chamado. Como não havia lareira acesa, fiz um fogo e me deitei [sic] diante dele, fazendo do casaco travesseiro e preparando-me para dormir. Mas logo a porta que eu forçara abriu-se silenciosamente e o velho entrou, carregando uma vela. Dirigi-me a ele com toda a gentileza, pedindo perdão pela invasão, mas ele não pareceu notar-me. Dava a impressão de procurar algo, embora seus olhos estivessem fixos nas órbitas. Acho que ele é sonâmbulo. Deu uma meia-volta pela sala e saiu pela mesma porta por onde entrara. Ainda voltou duas vezes antes que eu adormecesse, agindo exatamente da mesma forma e desaparecendo como antes. Nos intervalos, eu o ouvia perambulando pela casa, seus passos perfeitamente audíveis nas pausas da tormenta. E, quando acordei na manhã seguinte, ele já havia saído.”

O Sr. Maren ainda tentou fazer mais perguntas, mas foi contido pelas exclamações da família.

A história da morte e do enterro de Deluse veio à tona, para grande espanto do bom pastor.

"A explicação para a aventura do senhor é muito simples", disse o Sr. Maren. "Não acredito que o Sr. Deluse possa caminhar durante o sono — não nesse em que está mergulhado agora. Mas o senhor, com toda certeza, tem um sono cheio de sonhos."

E, diante dessa versão para os fatos, o Sr. Galbraith foi obrigado a aceitá-la, embora relutante. Porém, tarde da noite do dia seguinte, lá estavam os dois cavalheiros, acompanhados pelo filho do pastor, na estrada diante da casa do velho Deluse. Havia luz lá dentro. Às vezes numa janela, às vezes noutra. E os três homens avançaram até junto à porta.

Assim que lá chegaram, veio do interior da casa uma profusão de sons estarrecedores — ruído de espadas, aço chocando-se contra aço, explosões violentas como se armas de fogo, gritos de mulheres, grunhidos e imprecações de homens em combate! Os três ficaram ali por um instante, amedrontados, sem saber o que fazer. E então o Sr. Galbraith tentou abrir a porta. Estava trancada. Mas o pastor era um homem de coragem e, acima de tudo, um homem de força hercúlea. Deu um ou dois passos para trás e atirou contra a porta o ombro direito, arrancando-a das dobradiças com um estrondo. No segundo seguinte os três estavam lá dentro.

Tudo era escuridão e silêncio! O único som era a batida de seus corações. O Sr. Maren trouxera consigo fósforos e uma vela. Com dificuldade, devido à agitação em que se encontrava, conseguiu acendê-la, e os três homens começaram a explorar a casa, passando de um a outro aposento. Tudo estava em perfeita ordem, como fora deixado pelo xerife. Nada fora remexido. Uma fina camada de poeira recobria tudo. Uma porta, nos fundos, encontrava-se entreaberta, como se por descuido, e a primeira coisa que passou pela cabeça deles foi que os autores da gritaria talvez tivessem escapado.

Escancararam a porta e iluminaram o chão com a vela. Com os últimos sopros da tormenta noturna caíra um pouco de neve. Mas não havia pegadas. A superfície branca estava intacta. Eles fecharam a porta e entraram no último dos quatro aposentos da casa — o que ficava mais distante da entrada, num canto da construção. Foi lá que a vela do Sr. Maren se apagou de repente, como se atingida por uma lufada de ar.

No instante seguinte, ouviram um baque pesado. E quando reacenderam a vela às pressas encontraram o jovem Galbraith, filho do pastor, caído no chão a pouca distância dos dois. Estava morto. Uma das mãos crispara-se em torno de um pesado saco de moedas, que exames posteriores provariam ser velhos dobrões espanhóis. Bem junto ao lugar onde jazia o corpo uma ripa de madeira tinha sido arrancada da parede e, pela abertura que ficara, via-se que fora de lá que o saco fora retirado.

Outra investigação foi realizada. Outro exame post-mortem feito sem que se conseguisse descobrir a causa da morte. Mais um veredicto de que ela se dera "pela vontade de Deus" deixou a todos a liberdade de tirar suas próprias conclusões. O Sr. Maren chegou à conclusão de que o jovem morrera de pura excitação.

(*) A "Ilha dos Pinheiros" é um conhecido local de encontro de piratas. (N. do A.)


Visões da Noite / Ambrose Bierce; organização e tradução Heloísa Seixas; ilustrações Mozart Couto. - Rio de Janeiro: Record, 1999.

No Limiar do Irreal


I

Ao longo de certo trecho entre Aubum e Newcastle, a estrada — primeiro de um lado do rio e depois do outro — ocupa todo o fundo de uma ravina, sendo parcialmente cortada na escarpa íngreme e parcialmente formada pelas pedras removidas do leito do rio pelos mineradores. As escarpas são cobertas de vegetação e o curso da ravina é sinuoso. Nas noites escuras, é preciso andar com cuidado para não se cair dentro d'água. A noite que tenho na memória era escura e o rio, uma torrente, engrossada por um recente temporal. Eu viera de Newscastle e estava a caminho, a menos de dois quilômetros de Auburn, cruzando o trecho mais escuro e mais estreito da ravina, olhando com toda a atenção a estrada à frente de meu cavalo.

De repente, vi um homem quase embaixo do focinho do animal. Puxei a rédea com tanta força que o cavalo por pouco não empinou.

"Perdão", disse. "Mas não o vi.”

"Você dificilmente poderia esperar ver-me", respondeu o homem, com civilidade, vindo para a lateral da carruagem. "E o barulho do rio impediu que eu o ouvisse.”

Reconheci a voz imediatamente, embora cinco anos se tivessem passado desde que a ouvira pela última vez. E não estava particularmente feliz em ouvila.

"Você é o Dr. Dorrimore, não é?”

"Sou. E você é meu bom amigo Sr. Manrich. Estou mais do que feliz em vê-lo... demais", acrescentou com um sorriso, "até porque estou indo na sua direção e, claro, espero receber uma oferta de carona.”

"Que eu faço, com muito prazer.”

O que não era exatamente verdade.

O Dr. Dorrimore agradeceu ao sentar-se a meu lado e eu segui em frente, com a mesma cautela de antes. Deve ser fantasia, mas hoje tenho a impressão de que, durante o resto da viagem, fomos envolvidos por uma neblina gelada. E que eu estava morrendo de frio. Que o caminho parecia mais longo do que antes, e que a cidade, quando lá chegamos, parecia triste, inóspita e desolada.

Devia ser cedo ainda, mas não me lembro de ter visto uma luz sequer nas casas, nem vivalma nas ruas. Num dado momento, Dorrimore explicara-me por que estava ali, e onde estivera durante todos os anos em que desaparecera desde nosso último encontro. Lembro-me que ele fez essa narrativa, mas não me recordo dos fatos narrados. Ele estivera em países estranhos e voltara — é tudo o que minha memória retém, mas isso eu já sabia antes. Quanto a mim, não me recordo de ter dito uma só palavra, embora com certeza o tenha feito. Mas de uma coisa tenho perfeita consciência: a presença daquele homem a meu lado era estranhamente inquietante, desagradável. A ponto de, ao chegarmos à entrada iluminada da Pensão Putnam, eu ter tido a nítida sensação de haver escapado de um perigo espiritual, de natureza peculiar e assustadora. Mas a sensação se transformou assim que fiquei sabendo que o Dr. Dorrimore também se hospedaria lá.

II 

Para explicar, pelo menos em parte, meus sentimentos em relação ao Dr. Dorrimore, vou falar das circunstâncias nas quais o conhecera, alguns anos antes. Certa noite, meia dúzia de homens, entre os quais eu, encontrava-se na biblioteca do Clube Boêmio de São Francisco. A conversa era acerca de prestidigitação e as façanhas dos prestidigitadores, um dos quais se apresentava naquela ocasião no teatro local.

"Esses sujeitos são farsantes no duplo sentido", disse um dos amigos. "São incapazes de fazer alguma coisa pela qual valha a pena passar por bobo. O mais humilde dos saltimbancos da Índia seria capaz de enganá-los a ponto de pensarem que estão loucos.”

"Mas como?", perguntou outro, acendendo um charuto.

"Como? Com qualquer uma de suas performances mais simples, mais comuns. Lançando para o ar objetos que nunca vão cair. Fazendo plantas brotarem, crescerem e se abrirem em flor, isso em qualquer superfície nua, escolhida pelo espectador. Colocando um homem dentro de uma cesta de vime, espetando-o por todos os lados com uma espada enquanto ele grita e sangra, para depois abrir a cesta e mostrar que está vazia. Ou então jogando para o alto a ponta de um fio de seda e subindo por ele até desaparecer.”

"Bobagem!", retruquei, temo que com certa indelicadeza. "Não vá me dizer que você acredita nessas coisas.”

"Claro que não. Já as presenciei vezes demais para acreditar nelas.”

"Mas eu acredito", disse um jornalista local muito conhecido por suas matérias pitorescas. "Já relatei esse tipo de coisa tantas vezes que nada, a não ser a observação, seria capaz de abalar minha convicção. Cavalheiros, vocês têm minha palavra.”

Mas ninguém riu — todos estavam com os olhos fixos em alguma coisa atrás dele. Virando-me na cadeira, vi um homem com roupa de gala, que acabara de entrar na sala. Era de pele muito escura, quase trigueiro, com um rosto fino, barba negra que lhe ia até junto da boca, uma vasta cabeleira preta, áspera e em desalinho, nariz adunco e olhos que brilhavam com uma expressão cruel, como os de uma cobra. Um dos integrantes do grupo levantou-se e apresentou-o como sendo o Dr. Dorrimore, de Calcutá.

A cada um que era apresentado ele cumprimentava com uma profunda reverência à maneira oriental, embora sem a gravidade comum no Oriente. Seu sorriso pareceu-me cínico e levemente insolente. Todo seu comportamento só pode ser descrito como desagradavelmente sedutor. Sua presença conduziu a conversa para outros assuntos. Ele falou pouco — não consigo lembrar-me de nada do que chegou a dizer. Notei que sua voz era particularmente rica e melodiosa, embora tenha produzido em mim um efeito semelhante ao provocado pelo olhar e pelo sorriso. Logo, eu me levantava para ir embora. Mas ele também ergueu-se, começando a vestir o sobretudo.

"Manrich", disse, "estou indo na mesma direção que você.”

Está droga nenhuma!, pensei. E como é que você sabe em que direção vou? Mas limitei-me a dizer:

"Ficarei encantado com sua companhia.”

Saímos do prédio juntos. Não havia táxis à vista, os bondes já tinham sido recolhidos e a lua cheia, na noite fresca, estava uma beleza. Subimos a ladeira da Califórnia Street, Peguei aquela direção pensando que ele naturalmente optaria por outra, para o lado dos hotéis.

"Você não acredita no que se fala a respeito dos prestidigitadores indianos", afirmou ele, de repente.

"E como é que o senhor sabe?", perguntei.

Sem me responder, ele pôs de leve a mão em meu braço e com a outra apontou para a calçada à nossa frente. Ali, quase a nossos pés, jazia o corpo de um homem morto, com o rosto voltado para cima, pálido à luz da lua! Uma espada, cujo cabo cintilava com pedrarias, estava enfiada em seu peito. Uma poça de sangue se formara nas pedras da calçada. Fiquei espantado e aterrorizado. Não apenas com o que via, mas pelas circunstâncias em que o fazia. Diversas vezes, enquanto subíamos a ladeira, meus olhos tinham observado, eu podia jurar, toda a extensão daquela calçada, de uma transversal à outra. Como podiam ter deixado de ver aquela cena horrível, agora tão nitidamente visível sob a luz da lua?

Enquanto recuperava-me do choque, observei que o corpo vestia traje de gala. O sobretudo, aberto, revelava a casaca, a gravata branca, a parte da frente da camisa trespassada pela espada. E então — terrível revelação! — vi que o rosto, exceto pela palidez, era o de meu companheiro! Em cada detalhe, das roupas à aparência física, era o próprio Dr. Dorrimore.

Como que hipnotizado pelo horror, virei-me para olhar o homem vivo a meu lado. Ele desaparecera. E assim, ante mais esse terror, saí dali, descendo a ladeira pelo mesmo caminho de onde viera. Tinha dado poucos passos quando senti um forte puxão no ombro, que me fez parar.

Quase gritei de pavor: o homem morto, com a espada ainda enfiada no peito, estava de pé a meu lado! Agarrando a espada com a mão livre, ele arrancou-a, enquanto o luar banhava as pedrarias do cabo e a própria lâmina de aço, imaculadamente limpa. A espada caiu na calçada diante de mim e... desapareceu. O homem, a pele novamente escura, afrouxou a mão que me apertava o ombro, voltando a olhar-me com o mesmo olhar cínico que eu vira em nosso primeiro encontro.

Os mortos não têm um olhar assim. Recobrando parcialmente o controle, virei-me para trás e vi a sombra branca da calçada, limpa de uma transversal à outra.

"O que significa isso, seu demônio?", perguntei, enfático, embora me sentisse fraco e tremesse da cabeça aos pés.

"Foi aquilo que alguns se divertem chamando de prestidigitação", respondeu ele, com um rápido porém incisivo sorriso.

Em seguida virou na Dupont Street e eu jamais voltei a vê-lo, até o dia de nosso encontro na ravina de Auburn.

III  

No dia seguinte ao meu segundo encontro com o Dr. Dorrimore, não voltei a vê-lo. O recepcionista da Pensão Putnam explicou-me que estava trancado no quarto, adoentado. Naquela tarde, na estação de trem, tive uma agradável surpresa com a chegada inesperada da Srta. Margaret Corray, juntamente com sua mãe, procedentes de Oakland.

Esta não é uma história de amor. Tampouco sou um contador de histórias, e o amor, do jeito que é, não pode ser descrito numa literatura dominada e circunscrita à tirania aviltante que obriga a escrever bonito em nome das adolescentes. Sob o jugo doentio das adolescentes — ou, por outra, sob o mando dos falsos censores que se investiram do direito de cuidar do bem-estar delas —

 o amor apaga sua sagrada pira, E, sem que o saiba, a Moralidade expira

morreu de fome ante a comida insossa e a água destilada fornecidas pelos puritanos. O que quero dizer é que a Srta. Corray e eu estávamos noivos. Ela e a mãe foram para o hotel onde eu me hospedava e, ao longo de duas semanas, vi-a diariamente. Desnecessário dizer que eu estava feliz. O único obstáculo à minha felicidade plena naqueles dias maravilhosos era a presença do Dr. Dorrimore, o qual eu me sentira na obrigação de apresentar às senhoras. A essa altura, ele já caíra no agrado delas. E o que eu podia dizer? Não sabia de nada que o desmerecesse. Seu comportamento era o de um cavalheiro bem-educado e gentil. E, para as mulheres, o comportamento é o que faz o homem. Em uma ou duas ocasiões, ao ver a Srta. Corray caminhando lado a lado com ele, fiquei furioso, e uma vez cheguei mesmo à indiscrição de protestar.

Indagado sobre minhas razões, não tive o que dizer e pensei ter visto na expressão dela uma sombra de desprezo diante das tolices de uma mente ciumenta. Com o tempo, fui ficando cada vez mais taciturno e irritadiço, até que, num gesto intempestivo, decidi voltar a São Francisco no dia seguinte. Mas nada comentei sobre isso.

IV 

Havia em Auburn um velho cemitério, abandonado. Era quase no coração da cidade, mas, mesmo assim, à noite era um lugar tão sombrio quanto poderia desejar um ser humano em seu momento mais lúgubre. As grades das sepulturas estavam caídas, arrebentadas e muitas já não existiam. De vários túmulos só restavam ruínas e de alguns haviam brotado imensos pinheiros, cujas raízes tinham cometido um pecado inominável. As lápides estavam caídas ou rachadas ao meio e o terreno coberto de espinheiros. O muro fora quase todo desfeito e vacas e porcos andavam por ali. O lugar era uma desonra para os vivos, uma ofensa para os mortos, uma blasfêmia contra Deus.

Na noite daquele dia em que eu tomara a estouvada decisão de ir embora, furioso, para longe daquilo que mais amava, fui dar naquele local, bem a propósito.

A luz de uma meia-lua filtrada através das folhagens formava desenhos e nódoas que deixavam entrever o invisível. E as sombras escuras pareciam conspirar para, no momento exato, revelar negrores ainda mais terríveis. Passando junto do que fora a calçada de um túmulo, vi emergir das sombras a figura do Dr. Dorrimore. Eu próprio, estando encoberto pela penumbra, fiquei imóvel, com as mãos crispadas e os dentes trincados, tentando controlar o impulso de atirar-me sobre ele e estrangulá-lo. Um momento depois, uma segunda figura juntou-se a ele, segurando-o pelo braço. Era Margaret Corray!

Não sei bem contar o que aconteceu. Só sei que pulei para a frente, com pensamentos de morte. Sei que fui encontrado na manhã cinzenta, ferido e sangrando, com marcas de dedos na garganta. Fui levado à Pensão Putnam, onde, por vários dias, delirei. Tudo isso só sei porque me foi contado. E de minha parte lembro apenas que, ao recobrar a consciência, já convalescente, mandei chamar imediatamente o recepcionista do hotel.

"A Sra. Corray e a filha dela ainda estão hospedadas aqui?", perguntei.

"Qual foi o nome que o senhor disse?”

"Corray.”

"Não tivemos ninguém com esse nome aqui, senhor.”

"Não zombe de mim, eu lhe peço", disse eu, altivo. "Você está vendo que já estou melhor. Diga-me a verdade.”

"Dou-lhe minha palavra, senhor", insistiu ele com evidente sinceridade. "Não tivemos nenhum hóspede aqui com esse sobrenome.”

Suas palavras me deixaram estupefato. Permaneci em silêncio por um instante. Em seguida, perguntei:

"E onde está o Dr. Dorrimore?”

"Ele foi embora na manhã seguinte à briga e, desde então, não ouvimos mais falar dele. Foi um trabalho e tanto que ele deu ao senhor.”

V

Tais são os fatos neste caso. Margaret Corray hoje é minha esposa. Ela jamais esteve em Auburn e durante as semanas em que toda a história que acabei de contar se formou em minha mente ela estava em casa, em Oakland, perguntando-se onde eu estaria e por que não lhe escrevia.

Outro dia, li no jornal Sun, de Baltimore, a seguinte nota:

"O professor Valentine Dorrimore, hipnotizador, teve enorme audiência ontem à noite. O palestrante, que viveu a maior parte de sua vida na Índia, fez uma fantástica exibição de seus poderes, hipnotizando, com um simples olhar, qualquer um que concordasse em submeter-se à experiência. Na verdade, hipnotizou a platéia inteira por duas vezes (só os repórteres foram poupados), fazendo com que todos tivessem as mais extraordinárias ilusões. A melhor coisa da palestra foi a exposição sobre os métodos dos prestidigitadores indianos em suas famosas performances, relatadas por muitos viajantes. O professor declara que esses taumaturgos chegaram a tal refinamento na arte que aprendeu com eles que são capazes de fazer milagres, apenas mergulhando os 'espectadores' num estado de hipnose e dizendo-lhes o que devem ver e ouvir. E chega a ser inquietante sua afirmação de que algumas pessoas, especialmente suscetíveis, podem ser mantidas no limiar do irreal durante semanas, meses e até mesmo anos, dominadas por qualquer ilusão ou alucinação que o prestidigitador queira eventualmente sugerir.”


Visões da Noite / Ambrose Bierce; organização e tradução Heloísa Seixas; ilustrações Mozart Couto. - Rio de Janeiro: Record, 1999.

O Ambiente Adequado


I

A noite

Numa noite de pleno verão, o filho de um fazendeiro que vivia a cerca de quinze quilômetros de Cincinnati seguia por uma trilha de cavalos em meio a uma floresta densa e escura. O rapaz se perdera quando procurava por algumas vacas desgarradas e por volta da meia-noite já estava a uma enorme distância de casa, numa região que lhe era desconhecida. Mas tratava-se de um rapaz corajoso e, sabendo vagamente qual era a direção de casa, seguira floresta adentro sem hesitar, guiando-se pelas estrelas. Ao dar com a trilha de cavalos, e notando que ela rumava exatamente na direção certa, decidiu segui-la.

A noite estava clara, mas dentro da floresta a escuridão envolvia tudo. Era mais pelo tato do que pela visão que ele seguia caminho. Na verdade, seria difícil sair da trilha. De ambos os lados a vegetação, de tão fechada, era quase impenetrável. Já caminhara floresta adentro por dois ou três quilômetros quando se surpreendeu ao ver uma fraca luminosidade brilhando através da folhagem na beira do caminho, à sua esquerda. Aquela visão deixou-o atônito e seu coração começou a bater com toda força.

"A velha casa Breede fica perto daqui", disse para si mesmo. "Devo estar na outra extremidade do caminho que vai dar lá, saindo de nossa casa. Mas... por que será que há uma luz ali?”

De qualquer forma, seguiu em frente. Pouco depois, emergia da floresta, indo dar num pequeno espaço aberto, recoberto de espinheiros. Havia resquícios de uma cerca, semidestruída. A poucos metros da trilha, no meio da clareira, lá estava a casa de onde emanava a luz, através de uma janela sem vidros. A janela um dia tivera uma vidraça, mas esta, assim como a esquadria, tinha sido há muito destruída pelos projéteis arremessados por meninos aventureiros, dispostos a provar, a um só tempo, sua coragem e sua hostilidade às forças sobrenaturais. Sim, porque a casa Breede tinha a reputação maldita de ser uma casa mal-assombrada. Talvez não o fosse, mas nem mesmo o mais cético poderia negar que estava abandonada — o que, em zonas rurais, significa praticamente a mesma coisa.

Olhando para a luz misteriosa que emanava através da janela quebrada, o garoto lembrou-se, com certa apreensão, que sua própria mão contribuíra para aquela destruição. Claro que sua penitência, por tardia e inútil, seria terrível. De certa forma ele esperava ser punido por todos os espíritos maléficos e inomináveis que desafiara, ao ajudar a arrebentar-lhes as janelas e a paz. Mas nem assim o rapaz obstinado, que tremia da cabeça aos pés, fugiu. O sangue em suas veias era forte e rico em ferro, como o dos homens da fronteira. Pertencia à segunda geração daqueles que haviam dominado os índios. E seguiu em frente, pronto para passar em frente à casa.

No momento em que passava, olhando através do vão da janela, deu com um cenário estranho e aterrador — a figura de um homem sentado no meio da sala, diante de uma mesa onde havia algumas folhas de papel. Os cotovelos estavam sobre a mesa e as mãos sustentavam a cabeça, sem chapéu. De ambos os lados, os dedos estavam enfiados nos cabelos. À luz da única vela que brilhava a seu lado, o rosto do homem era de uma palidez cadavérica. A chama iluminava só um lado do rosto e o outro estava envolto pela escuridão. Seus olhos estavam fixos no vão da janela, com um olhar que um observador mais frio e mais experiente descreveria como de medo, mas que para o rapaz pareceu um olhar vazio, sem alma. Ele achou que o homem estava morto.

A situação era horrível, mas carregava algum fascínio. E o rapaz parou para olhar melhor. Sentia-se fraco, tremia, parecia a ponto de desmaiar. Podia sentir o sangue fugir-lhe do rosto. E contudo, trincando os dentes, avançou em direção à casa. Não sabia ao certo o que iria fazer — era a mera coragem provocada pelo terror. Enfiou o rosto pálido pelo vão iluminado da janela. Naquele instante, um grito agudo e estranho cortou o silêncio da noite — era o piado de uma coruja. O homem pôs-se de pé num pulo, derrubando a mesa e apagando a vela. E o rapaz saiu em disparada.

II

O dia anterior 

"Bom dia, Colston. Parece que estou dando sorte. Você já cansou de dizer que meus elogios a seu trabalho literário eram por pura educação e agora me encontra aqui absorto — na verdade completamente envolvido —, com sua última história no Messenger. Só mesmo seu toque no meu ombro me fez recobrar a consciência.”

"A prova é mais forte do que imagina", respondeu o outro. "Você está tão ansioso por conhecer a história que é capaz de renunciar às próprias considerações e estragar todo o prazer que poderia obter com ela.”

"Não estou entendendo", disse o leitor, dobrando o jornal e guardando-o no bolso. "Vocês, escritores, são muito esquisitos. Vamos lá. Conte-me o que foi que eu fiz ou deixei de fazer, Em que sentido o prazer que tiro, ou posso tirar, de seu trabalho depende de mim?”

"Em vários sentidos. Você gostaria de tomar seu café da manhã aqui neste bonde? E suponha que houvesse um fonógrafo tão perfeito que fosse capaz de reproduzir uma ópera inteira — o canto, a orquestração, tudo —, você acha que a ouviria com prazer em pleno escritório, durante o trabalho? Você seria capaz de apreciar uma serenata de Schubert tocada ao violino por um italiano inoportuno, no ferryboat matinal? Você está sempre disposto a se divertir? Está sempre atento, pronto para apreciar tudo? Permita-me lembrar-lhe, meu caro, que a história que acabou de me dar a honra de começar a ler, apenas como um artifício para esquecer o desconforto deste bonde, é uma história de assombração!”

"E daí?”

"E daí? Será que o leitor não tem também deveres, correspondentes a seus privilégios? Você pagou cinco centavos por esse jornal. É seu. Tem o direito de lê-lo quando e onde quiser. A maior parte do que está escrito nele não será afetada, para melhor ou para pior, pelo momento, local ou clima da leitura. Algumas notícias devem mesmo ser lidas de imediato — enquanto ainda têm gás. Mas minha história não é desse tipo, Não faz parte da lista de 'últimas novidades' da Terra Assombrada. Você não tem obrigação de estar atualizado acerca de tudo o que acontece nas regiões do além. Essa história se manterá até que você possa conceder à sua mente um momento de relaxamento, apropriado para apreender seu significado — e, com todo respeito, devo dizer-lhe que isto não pode ser feito dentro de um bonde, mesmo que você seja o único passageiro. Porque, ainda assim, a solidão será uma solidão inadequada. Um escritor tem direitos que o leitor deve respeitar.”

"Dê um exemplo específico.”

"O direito a ter uma atenção exclusiva por parte do leitor, negá-lo, seria imoral. Fazê-lo dividir a atenção com o barulho de um bonde, com as imagens corridas dos transeuntes nas calçadas, com os prédios passando — com milhares de outras distrações que compõem nosso ambiente habitual — é ameaçá-lo com uma injustiça grosseira. Por Deus, é infame!”

O escritor se pusera de pé, segurando-se em um dos apoios pendurados no teto do bonde. O outro olhava-o espantado, perguntando-se como uma ofensa tão banal podia justificar linguagem tão dura. Notou que o rosto do escritor estava extraordinariamente pálido, enquanto seus olhos brilhavam como carvões em brasa.

"Sabe bem o que quero dizer", continuou ele, atropelando as palavras, "sabe o que quero dizer, Marsh. O que escrevo nesse matutino traz o subtítulo 'Uma história assombrada'. Está mais do que claro. Qualquer um dos meus honrados leitores entenderá que com isso estão subentendidas as condições sob as quais o texto deve ser lido.”

O homem chamado Marsh estremeceu levemente e depois perguntou com um sorriso:

"Que condições? Você sabe muito bem que sou apenas um homem de negócios, do qual não se espera que entenda de determinados assuntos. Como, quando e onde devo ler sua história de assombração?”

"Em total solidão — à noite — sob a luz de uma vela. Há certas emoções que um escritor pode provocar com facilidade - como divertimento ou compaixão. Posso levá-lo às lágrimas ou a uma gargalhada em praticamente qualquer circunstância. Mas para que minha história de assombração tenha efeito, você precisa sentir medo — ou pelo menos uma forte sensação de sobrenatural—, e aí está algo difícil. Tenho o direito de esperar que, já que me lê, você deva me dar uma chance. E se disponha a sentir a emoção que estou tentando inspirar.”

O bonde acabara de chegar ao terminal e parara. A viagem recém terminada era a primeira do dia e a conversa dos dois passageiros madrugadores não fora interrompida. As ruas ainda estavam vazias, silenciosas. Os telhados das casas apenas começavam a receber a luz do sol. Assim que saltaram e começaram a caminhar juntos, Marsh observou seu companheiro, do qual se dizia, como aliás da maioria dos homens com rara habilidade literária, ser chegado a vários vícios destrutivos. É essa a vingança das mentes simples contra aquelas mais brilhantes, por se ressentirem de sua superioridade. O Sr. Colston era conhecido como um homem de gênio. Há almas honestas que acreditam serem os gênios uma espécie de excesso. Sabia-se que Colston não era de beber, mas muitos comentavam que ele usava ópio. Alguma coisa em sua aparência naquela manhã — um certo olhar selvagem, a estranha palidez, a maneira de falar, rápida e rouca — parecia ao Sr. Marsh confirmar tais comentários. Mas ele não abandonaria um assunto que achava interessante, por mais que isso deixasse seu amigo agitado.

"Você quer dizer", falou, "que se eu me desse ao trabalho de seguir seus conselhos — criando as condições pedidas: solidão, noite, um toco de vela —, você e sua história assombrada seriam capazes de provocar em mim a sensação desconfortável do sobrenatural, como você chama? Você acha que seria capaz de acelerar meu pulso, de me fazer levantar de um pulo ao ouvir um ruído, de sentir um arrepio nervoso percorrer minha espinha, fazendo meu cabelo arrepiar-se?”

Colston virou-se de repente, encarando o outro, à medida que andavam.

"Você não ousaria. Não teria coragem", disse. Enfatizou a frase com um gesto de desdém. "Você é corajoso o suficiente para me ler num bonde, mas numa casa abandonada, sozinho, no meio da floresta, e à noite? Ah! Tenho aqui no bolso um manuscrito que seria capaz de matá-lo!”

Marsh zangou-se. Considerava-se corajoso e aquelas palavras mexeram com ele.

"Se você conhece um lugar assim", disse, "leve-me até lá hoje à noite e deixe-me com sua história e um toco de vela. Vá me procurar quando achar que já deu tempo de ler o texto, que vou lhe contar o enredo todo — e botar você para correr!”

E foi assim que o jovem fazendeiro, olhando através do vão da janela da casa Breede, viu um homem sentado sob a luz de uma vela.

III

O dia seguinte 

Na tarde seguinte, três homens e um rapaz se aproximaram da casa Breede pelo mesmo local de onde, na noite anterior, viera o jovem fazendeiro. Os homens estavam alegres. Falavam alto e riam. Faziam piadas e comentários irônicos sobre a história que o rapaz contara, na qual evidentemente não acreditavam. O garoto aceitava a provocação sério, sem responder. Tinha uma noção apropriada das coisas e sabia muito bem que quando alguém conta que viu um homem morto levantar-se de sua cadeira e apagar uma vela ninguém acredita nele.

Ao chegarem, e encontrando a porta destrancada, os investigadores entraram sem qualquer cerimônia. No corredor junto à entrada havia duas outras portas, uma à direita e uma à esquerda. Penetraram no aposento da esquerda — aquele que tinha a janela dando para a frente. E encontraram o cadáver de um homem. Estava caído meio de lado, com o braço esticado sob o corpo e o rosto contra o chão. Os olhos estavam arregalados. E o olhar que tinha não era um espetáculo agradável. Com a mandíbula caída, escorria de sua boca um fio de saliva, formando uma pequena poça.

Uma mesa derrubada, um toco de vela, uma cadeira e algumas folhas de papel manuscritas eram os únicos outros objetos do aposento. Os homens observaram o corpo, tocando-lhe o rosto. O rapaz olhava tudo com gravidade, quase com um olhar de posse. Nunca na vida se sentira tão orgulhoso. Um dos homens virou-se para ele.

"Você é dos bons" — comentário que foi recebido pelos outros dois com sinais de concordância. Era o Ceticismo pedindo desculpas à Verdade.

Em seguida, um dos homens apanhou do chão os papéis manuscritos e encaminhou-se até a janela, porque as sombras da noite já começavam a descer sobre a floresta. O som do bacurau já se fazia ouvir a distância e um besouro gigantesco voejou junto à janela com suas asas ruidosas, desaparecendo em seguida. E o homem leu.

IV

O manuscrito 

"Antes de cometer o ato sobre o qual, certo ou errado, estou decidido, e de apresentar-me diante de meu Criador para julgamento, eu, James R. Colston, na qualidade de jornalista, sinto-me no dever de dar um testemunho a meu público. Meu nome é, ao que sei, razoavelmente conhecido como escritor de contos trágicos, mas nem a imaginação mais sombria seria capaz de conceber algo mais terrível do que a história de minha própria vida. Não pelo que tenha acontecido: minha vida tem sido destituída de aventuras ou ação. Mas minha carreira mental tem sido ensombrecida por assassinatos e maldições. Não vou contá-los aqui — alguns deles já estão escritos e prontos para publicação em outro lugar. O objetivo destas linhas é explicar a quem interessar possa que minha morte é voluntária — resultado de minha própria vontade. Deverei morrer à meia-noite do dia 15 de julho — uma data significativa para mim, já que foi nesse dia, e nessa hora, que meu amigo, no tempo e na eternidade, Charles Breede, fez a mim seu juramento, cometendo o mesmo ato ao qual, por sua fidelidade a nosso pacto, sinto-me agora obrigado. Ele se matou em 85 sua casa na floresta de Copeton. Houve o veredicto de sempre atestando 'insanidade temporária'. Tivesse eu testemunhado naquele inquérito — tivesse eu contado tudo o que sabia, e eles me teriam classificado de louco.”

Seguia-se uma passagem evidentemente longa que o homem com o manuscrito leu para si. O restante, leu em voz alta:

"Ainda tenho uma semana de vida para tomar todas as providências e preparar-me para a grande transformação. É o bastante, pois tenho poucos negócios e já faz quatro anos que a morte se tornou para mim uma obrigação imperativa. Deixarei este manuscrito ao lado de meu corpo. Quem o encontrar, por favor, leve-o ao juiz.”

James R. Colston.

"P. S.—Willard Marsh: neste dia fatal de julho, passo a suas mãos o manuscrito, para ser aberto e lido nas condições acordadas, bem como no local por mim designado. Desisto de deixar este manuscrito junto a meu corpo para explicar as circunstâncias de minha morte, já que isso não tem importância. Ele servirá para explicar as circunstâncias da sua. Vou ter com você durante a noite para me assegurar de que leu o texto. Você me conhece bem e sabe que o farei. Mas, meu caro amigo, eu o farei depois da meia-noite. Que Deus tenha piedade de nossas almas!”

J. R. C.

Enquanto o homem lia o manuscrito, a vela havia sido apanhada do chão e acesa. Quando a leitura terminou, ele calmamente levou o papel em direção à chama e, apesar dos protestos dos outros, manteve-o ali até que se transformasse em cinzas. O homem que fez isso, e que mais tarde receberia sem reagir uma severa reprimenda do juiz, era genro do finado Charles Breede. Durante o inquérito, não foi possível esclarecer o que havia escrito naquele papel.

V

Do Times 

"Ontem, a Delegacia de Insanidade recolheu ao asilo o Sr. James R. Colston, um conhecido escritor local que colaborava com o Messenger. Deve ser lembrado que na noite do dia 15 passado, o Sr. Colston foi entregue à polícia por um de seus companheiros de quarto na Pensão Baine, segundo o qual ele agia de forma muito suspeita, desnudando o pescoço e molhando uma lâmina — depois de testar se estava afiada —, passando-a na pele do braço etc. Ao ser entregue à polícia, o infeliz opôs forte resistência e desde então tem estado tão violento que foi preciso encerrá-lo numa camisa-de-força. Nossos outros estimados escritores da atualidade continuam, na maioria, à solta.”


Visões da Noite / Ambrose Bierce; organização e tradução Heloísa Seixas; ilustrações Mozart Couto. - Rio de Janeiro: Record, 1999.