quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A Invenção do Drácula

Capa de uma das primeiras edições do romance "Drácula"(1901) de Bram Stoker.

Se havia vampiros em todo o mundo, na Europa Oriental eles saíam pelo ladrão. Na região onde hoje está a Romênia, cada tipo de transgressão moral correspondia a um tipo de sanguessuga diferente. O nosferatu, por exemplo, era uma criança natimorta não batizada que, enterrada, voltava à vida, transformando-se em gato, escaravelho ou até fio de palha.

O murony, comum na Valáquia (reino de Vlad Drakul, que inspirou o mais famoso dos vampiros ficcionais), nascia da relação ilegítima de dois filhos ilegítimos. Morto, se metamorfoseava em rã, piolho ou aranha. Um bastardo morto pela mãe depois do parto, e enterrado sem batismo, se transformava em moroiu – uma moita ardente de 2 metros de altura. Os assassinos e os sacrílegos tinham outro destino funesto. Tornavam-se strigoi, seres de aspecto horrendo: altos, corpulentos, olhos vermelhos, unhas iguais a foices e caudas peludas. Ao saírem do túmulo, de dia ou à noite (poucas lendas vampirescas mencionam a aversão ao Sol), levavam a peste aos rebanhos.

Os ucranianos, russos e bielo-russos conheciam o mjertovjec, “o morto que anda” – castigo dos ladrões, estelionatários, bruxas e homossexuais. Seus ossos faziam barulho, aterrorizando os vivos. Quando se abria sua tumba, reconhecia-se facilmente a sua natureza, pois estava deitado de bruços. Era desprovido de nariz, e seu lábio inferior era fendido.

A profusão de nomes era tamanha que é impossível contabilizar o número exato de tipos de vampiros. Um site chamado Shroudeater (“comedor de mortalha”, em inglês) listou mais de 700, mas reconhece que a lista está incompleta.

Surtos de vampirismo eram relativamente comuns. O caso mais bem documentado ocorreu na cidade sérvia de Medvegia, em 1732. Tudo começou porque um arquiduque, Arnold Paole, suposto vampiro, matou 15 pessoas. Pelo menos 7 delas viraram sanguessugas.

Como se sabia quem era ou não vampiro? Simples. Abrindo o caixão. Lá dentro, o rosto do suspeito vampiro era encontrado bem corado. Seu corpo não apodrecia. Às vezes, seus olhos e membros tinham movimentos. A exumação de túmulos em casos de suspeita de vampirismo se tornou tão comum que o papa Bonifácio 8º, em 1302, promulgou uma lei contra “esse hábito detestável”.

Por fim, em 1755, a imperatriz austro-húngara Maria Tereza proibiu a “execução” de cadáveres nos seus domínios (que compreendiam a Transilvânia e outros “picos” muito frequentados pelos mortos vivos). Isso não impediu que o povo continuasse, por baixo dos panos, apelando para a decapitação e mutilação dos corpos suspeitos.

Esses fenômenos acabaram rendendo pano pra manga aos escritores. Em 1486, na França, surgia um manual da Inquisição que entre outras coisas detalhava a ação de vampiros: O Martelo das Feiticeiras, dos inquisidores Jacques Sprenger e Henry Institoris.

O termo “vampiro” (do sérvio vampir), no entanto, só surgiu em língua ocidental no século 18. Até então, os europeus do oeste não os distinguiam claramente dos fantasmas. Foi o suficiente para que houvesse uma enxurrada de novelas, peças e óperas sobre vampirismo. Byron, Baudelaire e Alexandre Dumas trataram do assunto.

O mito moderno, porém, foi sedimentando por Drácula, do irlandês Bram Stoker, de 1901. Na história, o vampirólogo Abraham van Helsing explica tudo o que se deve saber sobre vampiros: a nutrição pelo sangue alheio, a metamorfose em rato, morcego ou outro animal, a morte pela estaca ou pela decapitação.

Stoker, contudo, não deixou de fazer as suas inovações. A maior delas, associar o conde à figura histórica real de Vlad 3º, o Empalador (1431-1476), herói nacional romeno. Misto de tirano e brilhante estrategista, ele conteve o avanço otomano no seu principado da Valáquia, ao sul da Romênia atual, com expedientes brutais, como a empalação de inimigos e traidores.

Drácula, em romeno, quer dizer “filho do dragão”. Era um título honorífico. Vlad pertencia à Ordem do Dragão, um grupo de cavaleiros empenhados na defesa das fronteiras cristãs contra a ameaça turca. O nome nada tinha de maligno ou diabólico. “É como se um romeno escrevesse uma história em que George Washington bebesse sangue humano”, afirma o escritor romeno Andrei Cedrescu.


Texto de Álvaro Oppermann

As Bruxas de Lancashire

"Bruxas voando": woodcut de  Mathers’ Wonders of the Invisible World (1689)

Não muito tempo depois de dez moradores de Lancashire serem considerados culpados de feitiçaria e enforcados em agosto de 1612, esse julgamento e os procedimentos oficiais foram publicadas pelo secretário do tribunal Thomas Potts em seu ensaio "A Wonderfull Discoverie of Witches" (Descoberta Maravilhosa de Bruxas) no condado de Lancaster.

Há mais de quatrocentos anos, em 1612, o noroeste da Inglaterra foi o cenário do maior julgamento em tempo de paz do país: o julgamento das bruxas de Lancashire. Vinte pessoas, a maioria da área de Pendle de Lancashire, foram presas no castelo como bruxas. Dez foram enforcadas, uma morreu na prisão, uma delas foi condenada a ficar no pelourinho e oito foram absolvidas. O aniversário em 2012, viu uma pequena inundação de eventos comemorativos, incluindo obras de ficção de Blake Morrison, Carol Ann Duffy e Jeanette Winterson. Como é que este julgamento de bruxas aconteceu e porquê de sua fama duradoura?

Sabemos muito sobre as bruxas de Lancashire porque o julgamento foi registrado em detalhes pelo secretário do tribunal, Thomas Potts, que publicou seu relato logo em seguida como a "descoberta maravilhosa de bruxas" no condado de Lancaster. Foi publicada recentemente uma edição em inglês moderno deste livro, juntamente com um ensaio reunindo o que sabemos dos acontecimentos de 1612. Tem sido de uma leitura fascinante, revelando Potts cuidadosamente editando as provas e também como o processo contra as 'bruxas' foi construído e manipulado para se tornar um julgamento espetacular.

Tudo começou em meados de março, quando um mascate de Halifax chamado John Law teve um encontro assustador com uma moça pobre, Alizon Device, em um campo perto de Colne. Ele recusou um pedido dessa moça e houve uma breve discussão durante a qual o mascate foi tomado por uma metamorfose, deixando-o com "a cabeça desenhada de forma errada", seus olhos, rosto, deformados e seu linguajar incompreensível. "Nós podemos agora reconhecer isso como um acidente vascular cerebral, talvez provocado pelo encontro estressante". Alizon foi interrogada pelas autoridades locais, onde surpreendeu a todos ao confessar o encantamento de John Law e, em seguida, pedir perdão.

Quando Alizon não foi capaz de curar o mascate, o magistrado local, Roger Nowell foi chamado. Caracterizado por Thomas Potts como "justiça de Deus", ele estava alerta para os casos de feitiçaria, que foram consideradas pelas autoridades puritanas de Lancashire como parte do entulho cultural do "papado" - catolicismo romano - muito atrasado e para ser varrido da Reforma Protestante do conselho.

Chorando com muitas lágrimas, Alizon explicou que ela tinha sido desviada por sua avó, a "velha Demdike", bem conhecida no bairro por seu conhecimento de antigas orações católicas, encantos, curas, magia e maldições. Nowell rapidamente entrevistou a avó de Alizon e mãe, assim como a suposta rival de Demdike, "velha Chattox" e sua filha Anne. As tentativas destas pessoas, em meio ao pânico, de transferir a culpa para os outros, eventualmente, só acabou as incriminando, sendo enviadas para a prisão de Lancaster no início de abril para aguardar julgamento no verão.

Nesse local, aguardavam também julgamento, dois pobres, de famílias locais marginais na floresta de Pendle com uma longa reputação de poderes mágicos, que tinham usado ocasionalmente, a pedido de seus vizinhos mais ricos. Tinha havido disputas, mas nenhum deles fazia parte da vida comum da aldeia. Não até 1612 se nada disso tivesse chegado ao conhecimento das autoridades.

A rede foi ainda mais alargada no final de abril, quando o irmão mais novo de Alizon, James, e a irmã mais nova, Jennet, de apenas nove anos, surgiram com uma história sobre uma "grande reunião de bruxas" na casa de sua avó, conhecida como Malkin Tower. Esta reunião foi, presumivelmente, para discutir a situação dos detidos e a ameaça de novas detenções, mas de acordo com a evidência extraída das crianças por parte dos magistrados, a conspiração foi tramada para explodir castelo Lancaster com pólvora, matar o carcereiro e resgatar as bruxas presas. Foi, em suma, uma conspiração contra a autoridade real para rivalizar com a Conspiração da Pólvora de 1605 - algo que se espera em um país conhecido por sua particular e forte presença católica romana subterrânea.

Os presentes na reunião eram em sua maioria membros da família e vizinhos, mas também incluía Alice Nutter, descrita por Potts como "uma mulher rica que teve uma grande propriedade e crianças de boa esperança, na opinião comum do mundo, de bom humor, livre de inveja ou malícia". Sua parte no caso permanece um mistério, mas ela parece ter tido ligações familiares com católicos, e pode ter sido ela mesmo uma católica, proporcionando um motivo adicional para ser processada. Foi, juntamente com uma série de outros citados pelas crianças e algumas supostas bruxas de outras partes do condado, encarcerada nas masmorras do castelo de Lancaster.

Todos os dezenove foram julgados no espaço de dois dias, em meio a cenas dramáticas no tribunal. Dez deles foram enforcados no dia seguinte em Lancaster Moor, no alto da cidade e com vista para a baía de Morecambe. Foi provavelmente a primeira vez que qualquer um deles tenha visto o mar.

Alice Nutter e vários outros réus desafiaram a convenção, recusando-se a oferecer qualquer confissão na forca. Para muitos dos presentes no enforcamento esta teria parecido como prova de inocência, e que pode ter sido tais rumores sobre o julgamento que levou os juízes de primeira instância a pedir ao secretário do tribunal, Thomas Potts, para dar o passo incomum de registrar esse evento.

Na verdade, Potts já tinha organizado o julgamento e pode muito bem ter sugerido a publicação, em primeiro lugar, na qual bajulava o rei James I, cujo livro "Demonologia" ele citou várias vezes, proclamando de como as autoridades tinham seguido o conselho do Rei em descobrir casos de feitiçaria nesse julgamento.

O julgamento Lancashire foi então citado a partir de 1620 em diante como precedente legal para a utilização de crianças como evidência em casos de feitiçaria. Indiretamente, esse julgamento pode ter influenciado na caça geral das bruxas, os julgamentos notórios de década de 1640 e até mesmo os julgamentos das bruxas de Salem de 1690 na Nova Inglaterra.


Fonte: pendle witches - Planet Open Knowledge

Assista Filmes de Terror e Queime Calorias


Troque meia hora de caminhada por uma sessão de filme de terror – você vai ter o mesmo gasto calórico. Segundo pesquisa da Universidade de Westminster, na Inglaterra, é possível queimar mais de 113 calorias enquanto assiste a um filme de terror de 90 minutos.

Eles fizeram o teste com 10 alunos (bem pouco, né?),  que assistiram a 10 filmes diferentes. Os pesquisadores mediram os batimentos cardíacos, consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono de cada um deles. Aí perceberam que a quantidade de calorias consumidas aumentava, em média, um terço durante a exibição dos filmes.

Segundo os pesquisadores, isso só acontece por causa das cenas de susto. O medo deixa seu corpo em alerta, com o coração acelerado e adrenalina em alta. “A produção de adrenalina, que acontece durante períodos curtos de estresse intenso [ou medo], diminui o apetite, aumenta a taxa metabólica, e queima uma quantidade maior de calorias”, explica Richard Mackenzie, líder da pesquisa e especialista em metabolismo celular e fisiologia.

Dá uma olhada na lista dos filmes que mais queimam calorias:

1. O iluminado – 184 calorias

2. Tubarão – 161 calorias

3. O exorcista – 158 calorias

4. Alien – 152 calorias

5. Jogos mortais – 133 calorias

6. Pesadelo em Elm Street – 118 calorias

7.  Atividade paranormal – 111 calorias

8. Bruxa de Blair – 107 calorias

9. O massacre da serra elétrica – 105 calorias

10. [REC] – 101 calorias


Texto de Carol Castro 
Superinteressante

Perseguição às Feiticeiras

Caça às bruxas: A professora Ursel sendo torturada - Maastricht, Holanda, 1570.

Por que mulheres inofensivas – sem chapéu pontudo e com vassoura só para limpar a casa – foram exterminadas na Idade Média? Fanatismo, alucinações e até comida estragada podem explicar a perseguição às feiticeiras.

Entre os séculos 15 e 17, a Europa estava infestada de bruxas. Disfarçadas e infiltradas entre os bons cristãos, elas adoravam o Diabo em segredo, promoviam rituais malignos e lançavam feitiços e maldições com a ajuda do chefe dos demônios. Na calada da noite, roubavam bebês recém-nascidos e os esquartejavam antes de receber o batismo. Depois, ferviam os corpos mutilados num caldeirão para fabricar venenos e poções mágicas. Quando ofendidas, lançavam maldições terríveis: podiam invocar tempestades e chuvas de granizo, matar pessoas com um simples olhar e transformar suas vítimas em sapos, ratos ou cobras. Nas noites de sexta-feira, as adoradoras de Satanás montavam em vassouras ou cadeiras enfeitiçadas e voavam para o sabá – na superstição medieval, uma espécie de missa satânica realizada em florestas ou montanhas desertas. Nessa noitada diabólica, as bruxas se entregavam a uma maratona de pecados e blasfêmias. Empanturravam-se em banquetes canibalescos, cujo cardápio incluía corações de crianças e carne de homens enforcados. Engatavam orgias onde todas as perversões sexuais imagináveis eram permitidas e encorajadas. Às vezes, o coisa-ruim em pessoa entrava na farra, dançando e amando suas servas na forma de bode preto, gato gigante ou homem-monstro, com 7 chifres na cabeça e um enorme pênis ereto, todo coberto de espinhos.

Os delirantes relatos vêm de livros como Martelo das Feiticeiras (1487) e o Quadro da Inconstância dos Anjos Malvados e Demônios (1612), manuais usados para caçar, prender e exterminar as “agentes de Satã”. Durante séculos, esses livros foram levados a sério – e a crença nas bruxas não era vista como superstição, mas artigo de fé. “Acreditar em bruxas é uma parte essencial da doutrina cristã. Duvidar de sua existência é uma grave heresia contra a Santa Igreja”, afirmavam o monge alemão Heinrich Kraemer e o padre suíço James Sprenger, autores de Martelo das Feiticeiras.

Na época de Kraemer e Sprenger, a crença na bruxaria era tão forte que desencadeou uma das perseguições mais brutais que o Ocidente já viu. A caça às bruxas, que atingiu o ápice entre os séculos 15 e 17, foi um capítulo sinistro na transição do mundo medieval para o período moderno. Durante cerca de 400 anos, os governos laicos e as autoridades religiosas da Europa prenderam, torturaram e assassinaram uma multidão de pessoas pelo crime de feitiçaria. Como os registros oficiais da época são muitos confusos, o número exato de vítimas é até hoje um mistério. Alguns historiadores sugerem um total de 200 mil mortos, enquanto outros falam até em 9 milhões. Quase todos eram mulheres, em geral camponesas miseráveis, que viviam sozinhas em pequenos casebres às margens das aldeias. Para sobreviver, elas atuavam como curandeiras, fazendo feitiços, simpatias e remédios naturais. Esse verniz de simplicidade e sofrimento torna ainda mais intrigante o mistério que nenhuma das teorias consegue explicar direito: afinal, por que raios as pessoas começaram a ver naquelas tiazinhas inofensivas bruxas voando em vassouras e dançando peladonas com o Diabo? Para entender isso, precisamos voltar ao início da civilização ocidental e responder a uma outra pergunta:

O que é uma bruxa?

Segundo o Martelo das Feiticeiras e outros manuais da época, bruxa (ou bruxo) era alguém que praticava magia para fins malignos, com a ajuda do demônio. O conceito de bruxaria surgiu na Idade Média, mas outras formas de magia eram praticadas desde a Antiguidade – e nem sempre eram vistas como algo mau. No mundo greco-romano, a palavra mageia designava uma espécie de religião não oficial baseada no culto de deuses ligados à noite e à escuridão. Segundo a crença da época, divindades como Plutão, deus dos mortos, e Hécate, deusa das encruzilhadas e da lua nova, podiam tanto causar doenças quanto curá-las. “As leis romanas condenavam a magia com fins maléficos, pois a enfermidade e a morte freqüentemente eram atribuídas a causas mágicas. Mas a magia com fins benéficos na Grécia e em Roma era considerada lícita e mesmo necessária”, diz o historiador Carlos Roberto Figueiredo Nogueira, da USP, em seu livro Bruxaria e História.

A tolerância virou pó no início da Idade Média. Com a Europa convertida ao cristianismo, os ritos mágicos caíram no enorme balaio de crenças proibidas. Só esqueceram de combinar com o povão, que durante todo o período medieval continuou invocando espíritos, amaldiçoando inimigos e enfeitiçando amantes à revelia dos padres. Com uma diferença: se nos tempos antigos havia magos e magas na mesma proporção, na Europa cristã a bruxaria era monopólio feminino. Não é difícil entender por quê: enxotadas do comando da Igreja (desde o século 2, o sacerdócio cristão era exclusividade dos homens), as mulheres fizeram das práticas mágicas proibidas sua solitária esfera de poder. Entre as figuras mais respeitadas nas aldeias e nos campos – onde viviam 95% da população européia no século 15 – estavam as curandeiras, chamadas de “mulheres sábias” na Inglaterra, França, Alemanha e outros países. “Eram geralmente viúvas ou solteironas, com enorme conhecimento de ervas medicinais. Embora fossem pessoas miseráveis, tinham grande prestígio. Num mundo quase sem médicos, elas serviam como faz-tudo: parteiras, adivinhas, terapeutas”, diz o historiador Henrique Carneiro, da USP.

Passados de mãe para filha ou de tia para sobrinha, os segredos das curandeiras escapavam à compreensão da ciência. De fato, alguns de seus remedinhos eram pra lá de estranhos. Ovos fervidos em urina, por exemplo, eram usados contra picadas de insetos. Pomadas de sêmen de cavalo serviam para provocar a gravidez. Amuletos para atrair o amor, afastar mau-olhado e detectar venenos usavam como ingredientes ratos assados, pele de cobra e dentes humanos, recolhidos no cemitério mais próximo. Bênçãos e rezas também estavam no repertório. Em meio à bizarrice, nem tudo era chute ou superstição. A “magia” dessas mulheres abarcava conhecimentos que depois seriam cientificamente comprovados (veja alguns exemplos no quadro ao lado).

O que nem as curandeiras nem os cientistas podiam prever eram as desgraças que arrasariam a Europa no século 14. Em 1315, catástrofes climáticas destruíram colheitas em toda a Europa, exterminando 20% da população e originando surtos de canibalismo. Décadas depois veio a peste negra – a gigantesca epidemia que varreu um terço dos habitantes da Europa, cerca de 20 milhões de pessoas. Numa época coalhada de superstições, era preciso culpar alguém pelas calamidades. Sobrou para as curandeiras. “Durante as crises, os pobres do campo passaram a descontar sua frustração pelas colheitas ruins ou pela alta taxa de mortalidade infantil sobre aquelas que tinham menos capacidade de reagir – as solteironas e as viúvas, sem maridos ou filhos para protegê-las”, afirma a historiadora americana Anne Lewellyn Barstow, no livro Chacina de Feiticeiras. A fagulha virou incêndio com a radicalização religiosa da Inquisição, movimento cristão de perseguição aos hereges. A caça às bruxas, até então esporádica, foi oficializada em 1484, quando o papa Inocêncio 8o publicou uma bula transformando em hereges todos aqueles que “realizam encantamentos, sortilégios, conjurações de espíritos e outras abominações do gênero”. A sabedoria popular sem respaldo da Igreja passou a ser coisa do Diabo.

Tá todo mundo louco

Embalados pelo frenesi da Inquisição, muitos países incluíram a bruxaria na lista de crimes contra o Estado. A caça às bruxas intensificou-se e fez vítimas como a alemã Walpurga Hausmanin, uma viúva idosa que ganhava a vida como curandeira no vilarejo de Dillingen, no sul do país. Em 1587, seus antigos clientes e amigos a acusaram de matar bebês e dizimar os animais da aldeia (uma simples fofoca mandava pessoas ao calabouço). Walpurga foi presa e levada ao tribunal. Isolada do mundo exterior, não tinha direito a nenhum tipo de defesa. Os juízes examinavam o corpo das vítimas em busca de “marcas do Diabo” – verrugas, sinais de nascença ou simples cicatrizes. Acorrentada e espancada, Walpurga confessou: seus poderes eram dádivas de Satanás. Marcada com ferro em brasa, foi queimada viva em praça pública. Por mais de 200 anos, houve muitas Walpurgas. Pessoas de todas as idades juravam ter visto sabás e muitos admitiam ter participado das orgias. O fanatismo religioso fazia a maioria da população acreditar que o Diabo estava à solta.

Será possível entender racionalmente essa maluquice? Há algumas explicações, nenhuma delas plenamente satisfatória. A mais tradicional vem da psicologia, que classifica a perseguição às bruxas como um período de histeria coletiva, doença caracterizada pela falta de controle sobre atos e emoções. Parece algo muito esquisito? Sim, mas pode rolar até nas sociedades mais liberais. Alguns estudiosos defendem que foi justamente isso o que aconteceu nos EUA da década de 1950, época da paranóia anticomunista – não por acaso, também chamada de “caça às bruxas”. “O medo dos comunistas era tão grande que qualquer intelectual virava suspeito de espionar para a União Soviética”, diz o historiador inglês Nigel Cawthorne em seu livro Witch Hunt (“Caça às Bruxas”, sem tradução no Brasil).

Mas o pânico social não justifica totalmente as descrições detalhadas de vôos noturnos, lobisomens e bailes satânicos. A loucura em massa talvez possa ser explicada pela própria massa – não a humana, mas a do pão. Parece louco, mas é simples: entre os séculos 15 e 17, o principal alimento da dieta européia era o pão feito à base de centeio. Em climas chuvosos e úmidos, como em boa parte da Europa, era comum que os depósitos de centeio fossem atacados por um fungo conhecido como Claviceps purpurea. O Claviceps é um velho conhecido dos viajandões: ele contém um alcalóide chamado ergotamina, que em 1943 foi usado em laboratórios americanos para produzir o LSD. Se essa explicação for correta, dá para concluir que grande parte das pessoas envolvidas no massacre às bruxas poderia estar literalmente delirando, em estado de transe, falando sozinha ou descrevendo visões psicodélicas. Ver assombrações demoníacas e outras cenas seria compatível com esse quadro alucinado de alteração química.

Fogo na corte


A viagem do mal só deu sinais de esgotamento no final do século 16, quando pipocaram as primeiras denúncias de psiquiatras e até jesuítas da loucura coletiva. Mas a caça às bruxas fez vítimas até a metade do século 18. Com as curandeiras exterminadas, a atenção dos caçadores se voltou a qualquer mulher suspeita. A gota d’água veio em 1682, quando a marquesa de Montespan, amante do rei francês Luís 14, foi acusada de satanismo. Sentindo o calor da fogueira muito próximo ao trono, Luís 14 baixou um decreto proibindo a perseguição a bruxas na França. No século seguinte, o rei francês foi imitado por outros governantes. Mas a última execução por bruxaria só aconteceria em 1782 – apenas 7 anos antes da Revolução Francesa, que inaugurou oficialmente a modernidade no Ocidente. Mesmo com suas chamas extintas, a chacina das feiticeiras continua sendo um dos enigmas mais arrepiantes da história.


Texto de José Francisco Botelho 
Superinteressante