terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O Castelo de Drácula


Ruínas do Castelo Poenaria, em Arges, Arefu, Romênia

Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados erguem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de maciças torres.

Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua “Pratique de Vampirisme”, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do Dragão).

«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.

«Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis, pois, alimentá-lo com a vitalidade que o vosso sangue contém. »

Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a escuridão...

A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à morte.

O príncipe Drácula – Vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado sub-repticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».

Que é que se passou? Pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de Snagov, na floresta de Vlasie, no meio de um grande lago, como existe um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!

«No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu quando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula. »

Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes Fagaras.

As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da Romênia. A uns trinta quilômetros adiante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.


Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.

Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não aguentando a caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do príncipe.

«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»

Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a carne dos cadáveres tivesse servido de argamassa a esses pedregulhos.

O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.

No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.

Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.

Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para sempre aqueles lugares.

Para Radu Florescu – o historiador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.

«O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».

Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal que rondam pelas alturas».


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)

Vlad-Dracul - Senhor da Valáquia


Na Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem selvagem, toda floresta e ribeiros, eleva-se uma cidadela inacessível onde, enclausurado voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe ...

Este solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites da morte e entrar vivo na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências malditas. Nosferatu, isto é: o «não morto», aquele que não morre nunca.

Como ele, outros senhores poderosos transformaram os seus castelos romenos em ninhos de águias, ficando discípulos do Anjo Negro, Lúcifer. Esses, sim, praticam o verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da morte.

Nosferatu pode se escrever só no plural porque não há só um nosferatu. Se Drácula, o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é considerado como o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto». Outros pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do sangue se transmitem do mestre para o discípulo.

Os vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do despertar que se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi a partir deste manuscrito que formou a primeira cadeia dos «não mortos» que se espalharia pela Europa inteira.

No âmbito da magia e terror tal como se passa com os elfos, os papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos o vampiro aparecer com rara constância nas lendas e tradições populares. No entanto, a lenda não é somente uma «crença popular», uma vaga superstição de que nos lembramos. Ela pertence sempre a uma realidade esquecida, temerosa.

A história nos revela que o conde Drácula não era conde, mas príncipe e que reinou em Valáquia, província dos Cárpatos, de 1456 a 1462. É também conhecido pelo nome de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O historiador Florescu descreve-o como especialista em empalamento e tortura, homem sanguinário e destemido guerreiro.

«Ele empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser afiadas, para que as perfurações não provocassem imediata agonia e antes intensificassem o sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí resultava. »

A Romênia – especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca do vampiro. Tudo, desde a busca mágica do príncipe Drácula, a criação da Ordem do Dragão por Segismundo I da Hungria que se tornou ponta de lança da cavalaria das trevas, uma ordem vampírica a que toda a aristocracia da Transilvânia aderiu, os Drácula, os Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.

«Ele foi Vlad Tepes, o tirano. Nada o satisfazia tanto como ver os seus inimigos no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no meio dos moribundos suspensos de estacas ele se fazia servir das mais lautas refeições, para mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos não lhe roubava o apetite. » (F. R. Dumas.)

Em Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards. A 24 de Agosto de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou – após torturas e suplícios – 30.000 prisioneiros em Anilas:

«Assassinou alguns fazendo passar por cima deles os rodados de carros. A outros, despojando-os das suas roupagens, arrancou a pele até às entranhas. Assou alguns sobre brasas, atravessados por espetos e a tantos lhes perfurava as nádegas com estacas que saíam pela boca... e para que nada fosse esquecido, quanto a atrocidades possíveis, espetou, a uma mãe, os dois seios colocando-lhe por cima o filho ainda bebê. »

Enfim, matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda de utensílios, fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos poderia conceber.

O papa Pio II ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475, secundou a acusação de que o número de vítimas do príncipe Drácula se elevava a mais de cem mil pessoas. Sendo ele cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para os infernos! E não foi citado que, após ter conquistado Kroonstadt, fez dos seus habitantes prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques, para a Igreja de S. Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de roubar os paramentos e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas lá dentro, matando todos os que ali se encontravam.

Com a aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do famoso Manuscrito de Abremelin, é que tudo afinal começou ...

Uma seita do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas que permitiriam obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza, transmitiu para a escrita tudo o que ouvira da boca de Abremelin, no Egito. É em Veneza que põe em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz e terrífico. Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o primeiro elo desta cadeia europeia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o deus dos mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se tomar imortal.

Nas primeiras páginas do manuscrito maldito, Abremelin revela através da escrita de Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou maldita que ultrapassa o gênero humano... de tal modo que em ti, não se manterá para além de uns setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho. »

O discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande número de partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde noutros tempos se orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por acaso...

Eleazar chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria de ocultismo, do imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de Abremelin.

O imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta para as suas angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado por Eleazar fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.

Vlad o Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a esta Ordem, onde foi iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos de Abremelin.

A seguir à morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia. Segismundo da Hungria doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados na outra vertente dos Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate os turcos, depois de prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.

Na Ordem do Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da Romênia, homens de armas e ao mesmo tempo praticantes da velha magia.


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)