domingo, 14 de fevereiro de 2016

Vampirismo Contemporâneo

"Algumas coisas nunca descansam em paz".

Ritos, fumaradas, incensos, aspersões, manipulações mágicas, sempre acabam por fazer os seus adeptos mesmo em pleno século XX (*) como o provam numerosos casos de possessão, feitiçaria e outras sombrias histórias que alimentam a vida quotidiana.

Os vampiros ainda mantêm as missas vermelhas, em tecnicolor, nas telas de cinema, e se viu atores como o romeno Bella Lugosi identificar-se com o conde Drácula e se desequilibrar na extravagância. Lugosi foi o primeiro grande ator do cinema americano a encarnar Drácula nos filmes.

Pode dizer-se que o veneno do vampirismo correu pelas suas veias, inundou o cérebro até lhe criar a terrível obsessão. Ele já não era Bella Lugosi, mas Drácula, e para reforçar esta suspeita saiba que se vestia de capa preta forrada a encarnado, comprou um caixão acolchoado no qual se deitava e dormia todas as noites.

Lugosi era também viciado em heroína, para acalmar angústias e evitar os terríveis pesadelos que tinha. Morreu louco, com o cérebro minado pela demência.

Christopher Lee, que igualmente encarnou o conde Drácula num trabalho para a sociedade Hammer Films, confidenciou que o papel põe à prova, aflige, e que é necessário um grande equilíbrio interior para não acontecer usurpação da pessoa que representa, pelo conde Drácula.

Já não estamos nos mosteiros de Athos, protegidos por cortinas de incenso ou barreiras de orações, mas na vida do dia a dia, vulneráveis no meio de uma esquizofrênica sociedade, despojados de crença, presos às nossas obsessões, arpoados pelas nossas angústias, tendo como única fuga o sonho ou o tubo de soporíferos.

Os feiticeiros das antigas civilizações sabiam que o sangue e a luxúria se associam para manipular a alma humana.

O sexo e a morte, os impulsos devoradores, a necessidade de morder, de devorar, no amor, são apenas fantasias, mas para um cérebro fraco poderá acontecer que esses monstros tomem forma e comecem realmente a viver dentro dele.

Jean Boullet na revista "Medicina, Arte e Saber", de abril de 1960, cita o exemplo de um porto-riquenho de 16 anos que, procurado pelos seus crimes, quando a polícia de Nova Iorque o prendeu, disse: «Eu sou o conde Drácula, diverte-me a ideia da vossa cadeira elétrica porque sou imortal e unicamente vos peço que me considerem o rei dos Vampiros. »

O aspecto do jovem assassino chegou para surpreender os agentes da polícia. Capa preta forrada de cetim encarnado, sapatos com fivela de prata, peitilho rendilhado, anel largo e achatado representando uma caveira, bengala de castão...

A zona de ressonância do conde Drácula espalhou-se para além das montanhas da Transilvânia com a ajuda extremamente ardilosa do cinema e da literatura.

«E tudo isto», escreverá Bram Stoker, «foi feito por ele sozinho, a partir de um túmulo em ruínas num qualquer lugar, numa região esquecida. »

Drácula, o homem vestido de preto. O vampiro veste-se sempre com as cores da noite. O preto é para ele a ausência da cor, a ausência de vida, a impenetrabilidade fascinante para além da qual a morte pode ser vencida.

Certas lendas populares europeias falam de um estranho visitante estrangeiro, vestido de preto, cuja aparição traz sempre consigo a morte ou a doença. Muitas vezes, crianças e adolescentes foram surpreendidos de noite, nas cercanias de suas casas. Stiker descreve o rei dos vampiros no seu Drácula. «Diante de mim estava um homem grande e velho, com um grande bigode branco num rosto que parecia acabado de barbear, vestido de preto da cabeça aos pés, sem o mais pequeno sinal de cor onde quer que fosse...

Não estamos já na Europa do século XV, e os feiticeiros da Idade Média estão há muito reduzidos a pó e a cinzas. No entanto as aparições do Homme en Noir continuam. Os fantasmas e as superstições conferem-lhe sempre poderes diabólicos. Aparições reais ou reais poderes? Ninguém o sabe. Apesar do avanço científico, há ainda regiões do universo e da alma humana que continuam obscuras e impenetráveis.

Uma das mais recentes aparições remonta ao dia 20 de fevereiro de 1968. Ela teve como testemunha e vítima Rosita Aguardiente, uma adolescente de 17 anos. Foi a 20 de fevereiro quando Rosita entrou num ônibus que logo a seu lado se sentou um homem de alta estatura, vertido de preto. «Eu notei», disse ela, «que ele tinha uma cor esverdeada e os olhos ligeiramente rasgados. Sem saber porquê, senti medo, algo sinistro emanava dele. Desci, desceu atrás de mim. Quando cheguei ao campo senti uma enorme confusão na minha cabeça e perdi o conhecimento de repente. Quando acordei, estava num descampado com o vestido em desalinho. Ao dar os meus primeiros passos, tropecei numa pequena caixa que apanhei e meti na minha bolsa. »

Rosita Aguardiente relatou o caso à polícia, que o definiu como uma tentativa de violação.

Mas dias depois a jovem moça levada pela curiosidade provocou que o assunto voltasse de novo à baila, pois abriu a caixa que encontrara quando voltara a si naquele dia ...

A caixa era toda ela hieróglifos! Assim que levantou a tampa, uma luz como que elétrica escapou intensa. A moça assustou-se e apressou-se a fechar a caixa.

O homem vestido de negro intervinha sob vários aspectos.

A 20 de Julho de 1967, o France Soir et L’ Republicain relataram os seguintes casos: Em Arc-Sous Ciçon, quatro criaturas vestidas de preto e com mais ou menos um metro de altura movendo-se rapidamente, meteram-se num silvado deixando amedrontadas algumas crianças que por ali andavam. Tinham uma cor de pele escura, os olhos enormes e falavam entre si um dialeto estranho e melodioso.

Os cemitérios das grandes cidades são evidentemente locais predestinados ao vampirismo contemporâneo.

Highgate, ao norte de Londres, et le Pére Lachaise em Paris, são hoje teatros de estranhas e fúnebres peças. Assim que cai a noite... levanta-se o pano. As personagens aparecem pelas bermas, tornam-se príncipes das trevas no espaço de uma noite, oficiando sobre os túmulos, evocando as divindades do vampirismo. Já não se trata de vivos que vêm ver os seus mortos. Uns e outros, numa curiosa comunhão, representam os seus papéis e, através de danças macabras bem esquematizadas, o mundo dos vivos e dos mortos interpenetra-se. Surge uma outra dimensão.

Ao nascer da aurora, os mortos recolhem às suas moradas secretas, enquanto os vivos, extenuados e olheirentos, saem do mortuário recinto passando perante os guardas surpreendidos e amedrontados!

Não é raro descobrir em Pere Lachaise o túmulo de um adepto do vampirismo. É muitas vezes à volta este que se agrupam e fazem cerimônias secretas. Citemos, por exemplo, o túmulo de Madame Berte Courrieres, aliás Madame Chantelouve, inspiradora do escritor Huysmans e discípula do satânico Abbé Boulan, bem conhecido dos ocultistas do século passado. A laje do seu túmulo – não longe da de Chopin – está frequentemente coberta de cadáveres de animais, como pássaros e ratos de que se serviram para misteriosas práticas.

As áleas do Pere-Lachaise parecem-se com as avenidas silenciosas de uma cidade barroca, rodeada de passeios, tendo de um lado e de outro, pitorescas fachadas de monumentos funerários. Mas há sítios a que essas áleas retilíneas não chegam; os lugares dissimulados pelas sombras dos sicômoros e das tílias onde as sepulturas tomam um ar de antigos navios encalhados, de fundo cinzento e fendido sob o mistério de todos aqueles arbustos. Nenhuma daquelas áleas nos leva diretamente a tais lugares quase impenetráveis. É necessário errar ao acaso pelos túmulos, descer, subir, escalar por vezes em vão pelo meio de toda aquela vegetação.

O cemitério é uma cidade ciclopeana. Cada mausoléu esconde-se numa sombra. As ruas sucedem-se às ruas, os túmulos aos túmulos, as áleas têm nomes estranhos: caminho do dragão, álea Errazu, avenida Feuillant...

Em certos cemitérios, à noite, todo um mundo de presença... pedaços de ossos fumegam no incenso, libertando um cheiro pavoroso. Na cripta saturada de incenso, os partidários do vampirismo erguem os punhais e os pentáculos:

«Senhor! Tu que desejas o sangue e trazes o medo aos mortais, recebe de novo este sangue que representa vida. » Durante vários segundos o celebrante transpõe milênios, vive com intensidade a sombria lenda, sobre a pedra dum túmulo, em qualquer cripta abandonada. E assim se passa até ao nascer do Sol.

«O nascer do Sol», escreve Ribadeau Dumas, «afugenta as más influências da noite. Em certas terras, o galo representa a vigilância guerreira, ele vigia o horizonte, e alerta também! Símbolo cristão como a águia e cordeiro, ele anuncia luz e ressurreição. Drácula empalidece quando o ouve, e foge... antes que seja tarde! A noite favorece o vampiro. Ela gera nas suas trevas o sono e a morte. »

(*) Este livro foi publicado em 1986

Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)