sábado, 9 de julho de 2016

Um Prego no Jazigo


Alguns de vocês já conhecem os meus contos, e sabem que o escrevo são apenas histórias de ficção, inspirados (ou não) em temas da vida real. Mas o que vos vou narrar a seguir não é ficção. É real e foi um dos episódios mais macabros da minha juventude. Por isso, deixo-vos aqui um conselho: - "Nunca brinquem com aqueles que descansam em paz; nunca apelem aos espíritos das trevas".

O vento teimava em levar tudo à sua frente, fustigando a noite chuvosa que se ensombrara. As casas pareciam assustadas na sua viuvez urbana, e eu deambulava pela rua mais dois amigos: O João e o Manuel. A noitada fora de copos e gajas e trazíamos conosco uma garrafa de vinho que íamos tragando, passando-a de mão em mão. Ríamos e brincávamos os três pela estrada fora sem caminho e sem rumo.

- Vamos até minha casa – Sugeriu o João com dificuldade. A língua enrolava-se-lhe na boca quando tentava dizer qualquer coisa. - Boa ideia – respondi - Estou farto de andar aqui às voltas pela rua.

Do local onde estávamos até à casa dele, demoramos apenas uns minutos.

Ele vivia num anexo ao lado da casa dos pais. Tinha portanto, total independência para fazer o que quisesse.

Lá dentro sentamo-nos no maple e continuamos a beber vinho e cerveja que ele trouxe do frigorífico, fresquinha.

Inesperadamente, apercebi-me que o João fazia um charro. O anel de ouro branco cintilava-lhe nos dedos esguios enquanto segurava a mortalha. Depois acendeu o cigarro, deu duas “passas” e passou o charro ao Manuel. O ambiente estava a tornar-se numa loucura.

- Vamos jogar poker – sugeriu o Manuel.

- Boa ideia – concordei.

- Não – discordou o dono da casa – vamos fazer um jogo diferente.

- o quê? – Indaguei

- Vamos fazer o jogo dos espíritos – ordenou.

- Jogo dos espíritos? – Questionou o Manuel.

- Não gosto disso. Já ouvi contar umas merdas acerca desse…

- Deixem-se de mariquices. – Asseverou ele cortando-me a frase. Trazia o tabuleiro numa mão e uma garrafa de vodka noutra.

- Que raio é isso? – Indaguei.

- É o tabuleiro de Ouija. É usado em adivinhação e espiritualismo. As letras do alfabeto e estas (”sim”, “não”, “adeus” e “talvez”) – disse ele, exibindo-nos o tabuleiro - servem para formarmos uma frase que será construída depois de rodarmos um ponteiro sobre o tabuleiro. É o jogo dos espíritos. Alguém tem medo?

Nem eu nem o Manuel respondemos. E foi em silêncio que concordámos em jogar. A personalidade persuasiva do João convencia-nos a fazer tudo o que ele queria. Sempre foi assim.

Começamos por unir os dedos sobre o ponteiro e o João lançou a primeira pergunta.

-Algum de nós vai morrer?

Largamos o ponteiro e este, após rodar várias vezes, ficou parado no lado superior esquerdo, mesmo a apontar para a palavra “sim”.

Rimo-nos.

De seguida voltamos a pressionar o ponteiro, e foi a minha vez de fazer a pergunta.

Quando?

O ponteiro girou e girou, até que faleceu nas letras “H”, depois na “O”, seguidamente na “J”, e por fim no “E”.

- Hoje? – Questionamos nós em uníssono.

-Este jogo é uma banhada! – Asseverei .

Foi a vez de o Manuel fazer a pergunta.

- Como vai essa pessoa morrer? – Questionou ainda a rir.

O Ponteiro voltou a rodopiar e apontou as letras “J” “A”Z” “I” “G” “O” “ e de seguida “P” “R”E” “G” O”.

Ficamos a olhar uns para os outros. Confesso que não me sentia bem e acabei por disparar:

- Vamos acabar com esta palhaçada. - Levantei-me e dirigi-me para a porta. Apercebi-me que o Manuel também se tinha levantado, dando mostras de desistir daquela brincadeira sinistra.

O João, meio cambaleante, abandonou o tabuleiro e dirigiu-se até nós para nos expulsar de sua casa, mas acabou por desistir da ideia a meio de percurso e acabou por sair conosco. Ainda olhei para trás e reparei que o tabuleiro ficara abandonado cima da mesa, mas não dei mais importância ao assunto.

Voltamos para o frio da rua e caminhamos pela noite, a conversar sobre aquele jogo lúgubre que me tinha afetado a mim ao Manuel.

Aparentemente o João estava bem. Além de bêbado, estava bem.

A bruma adensara-se, e...inesperadamente perdemos o rumo até que demos de caras com o muro do cemitério, cujos densos portões se elevaram ameaçadoramente sobre as nossas cabeças.

-Este local é sinistro. – Balbuciou o Manuel meio encolhido.

- Sim, mas afinal… onde estamos?...Que local é este? – Inquiri eu, meio confuso.

- É, pá! Estou rodeado de mariconços! – Escarneceu o João, exibindo o seu ar destemido.

- Mariconços, não! Isto mete medo! – Contestei.

- Mas qual é o vosso problema? Não vê que estamos no cemitério da nossa aldeia; a única diferença é que está nevoeiro e ele parece diferente! – Afiançou o João, que seguidamente se sentou no muro a fumar. O anel cintilava-lhe no dedo anelar. Ele trajava uma extensa capa de chuva que lhe abonava um ar medonho e aterrador.

Confesso que aquele modo arrogante do João me importunou tanto que tive vontade de lhe arremessar com uma pedrada à cabeça. Todavia, o meu espírito fora travado por uma ideia macabra, e não demorei nada para a partilhar com o Manuel.

-Vamos “picá-lo” para ele ir lá dentro ao cemitério, e quando ele lá estiver, fugimos e deixamo-lo aí sozinho. O que achas? – Sussurrei eu ao ouvido do Manuel.

-Boa ideia, e como o vais convencer a ir lá dentro?... – Inquiriu o meu amigo coçando o queixo.

-Deixa isso comigo. Tens aí uma nota de cinquenta euros? – Perscrutei.

-Sim, tenho aqui! – Disse o Manuel, entregando-me o dinheiro sem qualquer hesitação.

Apercebi-me que o João continuava em cima do muro do cemitério, mas agora prostrava-se deitado de papo para o ar a fumar outra ganza.

Dirigi-me então até junto do João, e foi com algum assombro que lhe dirigi o repto.

- Olha João, eu e o Manuel apostamos cem euros em como tu não és capaz de ir lá dento ao cemitério pregar um “prego no jazigo” que estiver mais a “norte”...

- Ah, estão a ver se me conseguem acagaçar por causa daquela parvoíce do jogo dos espíritos?... Vocês apostaram, o quê?..Cem euros?..ah, já são meus! – Balbuciou ele com uma voz tremendamente fria.

- Está aqui um prego. – Declarou o Manuel, retirando o espeto de aço do bolso, que encontrara... não sei bem onde, nem como. – Podes pregá-lo com esta pedra.

E foi com enorme frieza, que o João deitou o cigarro fora e saltou o muro para outro lado, numa demonstração clara de ousadia extrema.

- Os cem euros já são meus! – Ecoou a voz dele do meio das campas.

A noite turvara-se ainda mais numa bruma intensa, e inesperadamente, levantou-se uma forte ventania que arremessou as folhas dos ciprestes pela estrada adiante. Quando eu e o Manuel nos preparávamos para fugir daquele local perverso, escutamos os baques secos provenientes das batidas no túmulo dos punhos do João, que intervalava as pancadas com um sorriso sinistro e sombrio.

Seguidamente, o ruído cessara, e dera lugar a um silêncio inquietante. A noite parecia normal, mas fora quebrado por um grito agudo e estridente proveniente da garganta do João, que gelou a minha alma de medo!

Prontamente, eu e o Manuel trepamos o muro e fomos ao encontro do nosso camarada a fim de percebermos o que lhe tinha acontecido. Ao fim de alguns metros, lá estava o João caído junto ao túmulo. Notei que o seu corpo se prostrava numa posição torta e estranha. Na mão ainda segurava a pedra com que pregara o túmulo. O anel ainda cintilava.

- João, João! – Bradou o Manuel, tentando deslocar o seu corpo para o endireitar.

E foi com um terror arrepiante que verificamos que o João pregara a sua capa de chuva ao túmulo sem dar conta disso, e ao virar bruscamente as costas, a sua capa ficara presa ”, o que o matou de MEDO!


Por Alexandre Cthulhu


Fantasmas Versus Espíritos


De acordo com o Merriam - Websters Collegiate Dictionary, a definição de fantasma é a seguinte: "uma alma desincorporada; especialmente a alma de uma pessoa morta que se acredita ser habitante do mundo invisível ou que aparece para os vivos com a aparência de um corpo vivo".

Em inglês, a palavra ghost (fantasma) vem do antigo inglês gast; aparentado com o antigo germânico geist, que quer dizer espírito.

A palavra espírito é definida como "um ser ou essência sobrenatural; um ser frequentemente malévolo que é incorpóreo, mas pode tornar-se visível; um ser malévolo que adentra e possui um ser humano". Vem do latim spiritus, que quer dizer fôlego ou respiração.

A maior parte das pessoas por todo o mundo usa as palavras fantasma e espírito como sinônimos. Entretanto, enquanto ambas entidades sejam aparições de uma pessoa não mais vivente, existem diferenças significativas entre as duas.

Espíritos, que são geralmente vistos como "aparições que não assombram", parecem ser conscientes do ambiente à sua volta e das pessoas ao seu redor e que os observam. Todavia, fantasmas, vistos como "aparições que assombram", parecem ser completamente alheios ao que se passa nos arredores e na presença dos vivos.

E, diferentemente dos espíritos que frequentemente se manifestam por uma razão específica e podem tentar se comunicar com os vivos, um fantasma normalmente assombra o mesmo lugar (na maioria dos casos, o local de sua morte), repetindo as mesmas ações sem parar, de modo parecido com uma série de imagens gravadas em uma fita de vídeo que são repetidas continuamente.

Além disso, pouquíssimas pessoas que encontram um fantasma durante uma de suas assombrações relatam que a aparição tentou estabelecer comunicação com elas.


Fonte: Guia das Bruxas sobre Fantasmas e o Sobrenatural - Gerina Dunwich - 2003, Madras Editora Ltda.

A Ratoeira


A paixão de Uriel eram os seus chocolates. Metia-os na última gaveta, lá no fundo, para que ninguém soubesse de seu tesouro. E, quando os comia, fazia-o sozinho e em silêncio, de portas trancadas e olhos buliçosamente assustados. Sentia um medo irracional de ser flagrado com suas guloseimas.

Um acesso de raiva, uma raiva mortal, que Uriel conteve num lampejo de lucidez, foi o que sucedeu. Quase chegou a experimentar o arrependimento que sentiria, se tivesse sucumbido aos impulsos primitivos da ira. Mas Uriel controlou-se. Não praguejou. Não esmurrou a mesa. Não ameaçou os colegas. Substituiu toda expressão de ódio por uma fisionomia impassível, enquanto o cérebro trabalhava em ritmo frenético. Agora era descobrir quem furtara os seus chocolates.

Pôs a isca. E esperou. O rato miserável era mais esperto do que ele supunha. Quando examinou a gaveta, constatou que os seus preciosos chocolates haviam desaparecido novamente. Precisava descobrir, urgentemente, quem era a ratazana infeliz. Certamente não era alguém do turno da noite, no qual trabalhava há dois meses. Ele e mais dois abnegados. Talvez alguém da limpeza. Ou a moça do cafezinho, que preparava as garrafas térmicas antes de se meter na interminável fila de ônibus. Talvez até mesmo o chefe. O mandachuva tinha mesmo cara de ladrão. Não o via nunca. Trabalhar às madrugadas é dureza, sente-se um sono maldito, mas tem as suas vantagens.

Porém, muito em breve saberia. Porque, desta feita, a ratoeira funcionaria perfeitamente. Uriel mergulhou remédio de rato - desses que se vendem clandestinamente em camelôs - nas inúmeras barras de chocolate. Com esmero, Uriel reembalou as poções envenenadas, uma a uma. Um trabalho lento e cauteloso. Um resultado perfeito. E aguardou que o gatuno viesse. E que o mortal carbonato fizesse generosamente a sua parte...

“Agora pego este filho de uma puta”, foi o que pensou Uriel, ao fechar a gaveta.

Uriel acordou sobressaltado. Salivava excessivamente. Os olhos eram duas tochas ardentes, donde manavam lágrimas de fogo. Das narinas, escorria uma secreção pesada e sem fim. E, apesar do choque, o coração batia devagar. Quis se erguer, mas não conseguiu. O seu peito pesava uma tonelada e   os pés eram como se  não existissem. Seguiram-se os tremores e os espasmos, até que, por fim, um nó espesso cingiu violentamente a sua garganta, selando a agonia.

Tido injustamente por suicida, assim morreu Uriel, que fora sonâmbulo a vida inteira, mas não o sabia.


Por Mephisto
Para Robson Mascarenhas