segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A Criatura do Hospital


Este relato foi me contado pelo meu irmão, em uma noite de um tempo atrás. Ele trabalha à noite em um enorme hospital antigo na cidade de Mogi das Cruzes, Estado de São Paulo, fundado na década de 1920.

Lá, existem diversos setores, espalhados em alguns prédios. Inclusive, conta-se que havia, muito tempo atrás, isolamento para leprosos que, na maioria das vezes, morriam lá. Talvez por ser muito antigo, muitas histórias são narradas por funcionários e até por pacientes desse hospital.

Pois bem.

Em um de seus prédios, funciona no subsolo, exatamente abaixo das alas de tratamento intensivo, o necrotério. Ao lado do necrotério, há o chamado DML (Departamento de Material de Limpeza), que é uma pequena sala onde os funcionários da limpeza transitam a todo instante, bem como uma sala de enfermagem e outras que não vêm ao caso.

As salas do subsolo são dispostas como que ao redor de um salão de livre trânsito para todas as suas portas. O necrotério serve apenas para guardar eventuais corpos de recém-falecidos que lá ficam por pouco tempo, até serem encaminhados convenientemente e raramente fica muito tempo ocupado. O acesso a esse subsolo, vindo do andar de cima, é feito por uma rampa descendente em forma de “L”. Quando você faz a curva do corredor mal iluminado, dá de cara exatamente com a porta sempre aberta do necrotério, ao fundo do salão.

Descrito o local, vamos à ocorrência.

Uma funcionária da limpeza, após difícil e longa recuperação do choque sofrido, contou que estava limpando o corredor em forma de “L” de cima para baixo, em direção ao salão do subsolo.

Após completar a limpeza do subsolo, guardou o material de limpeza no DML e caminhou rumo à saída. Ao se aproximar da rampa, deparou-se com uma mancha vermelho-escura no chão.

Estranhou! Olhou para os lados intrigada e, indagando de onde poderia ter surgido aquela enigmática poça, olhou para o teto para averiguar possível vazamento.

Nada.

Não tinha explicação, ainda mais porque havia acabado de limpar tudo.

Como a obrigação dela era manter tudo em ordem, voltou à sala de materiais (DML), pegou o necessário e foi dar cabo daquela mancha usando um pano úmido, balde e rodo.

Esfregou, esfregou e a mancha não saiu. Tirou o pano do rodo, agachou e tentou retirá-la usando a força das mãos.

Conseguiu limpar aquele líquido escuro e viscoso, levantou-se e, logo atrás dela, percebeu outra mancha igual.

Fez a mesma coisa da outra, esfregando com vigor.

O silêncio do local era perturbador. O único som eram os movimentos de seu esforço contra a misteriosa mancha vermelha.

As manchas foram aparecendo seguidamente como uma trilha e afastando-a cada vez mais da rampa de saída e encaminhando a funcionária em direção ao necrotério.

Já próxima de sua entrada, de costas para ele, agachou-se para efetuar a limpeza e sentiu como se alguém passasse rente às suas costas, ainda que sem som algum.

Aquele "vento" típico de quando alguém passa muito perto de nosso corpo.

Um calafrio imediato varou a coluna dela de alto a baixo. Sentiu um cheiro de coisa podre, bolorenta.

Ainda agachada de costas para o necrotério, levantou a cabeça e olhou à sua frente, em direção à saída, para a rampa em forma de “L”.

"Não é possível imaginar o que eu faria faria no lugar dela naquele momento!
Certamente meus nervos ficariam paralisados e eu teria uma síncope".

Naquele momento ela viu, olhando para ela, uma mulher ou algo parecido. Horrível.

A "Criatura" possuía estatura média, corpo esquelético, típico de quem padece de moléstia grave há muito tempo. No rosto, rasgava um corte ou uma cicatriz aberta que desfigurava desde o canto da boca até o olho direito e passando acima dele. A cabeça inclinada para o ombro esquerdo ossudo revelava ainda mais a ferida no lado direito da face, emoldurada com cabelos pesados e desgrenhados. Cobrindo o corpo macerado, uma espécie de mortalha tenebrosa semi-transparente completava a imagem sombria.

O olho esquerdo do espectro, único preservado, de um tom verde-esbranquiçado, era como um dínamo a condensar toda aquela energia sufocante, arrebatando as forças da infeliz faxineira que observava aquilo de forma horrorizada.

O rasgo ao lado direito da boca revelava uma parte dos dentes enegrecidos e do imenso corte vertia aquele sangue vermelho-escuro, escorrendo pela face direita, pescoço e tingindo parte da mortalha até o chão, onde nova poça se formava sem tocar os pés daquele ser horripilante, que pairava a poucos centímetros do solo!

O terror que se seguiu ao primeiro impacto da surpresa de saber que não estava só foi violentíssimo.

Nos últimos instantes de lucidez, a faxineira sabia que não podia sair, já que o vulto guardava o acesso à rampa de saída.

Sua única opção foi correr para a sala do necrotério vazio e de lá gritar com todas as restantes forças do pulmão em busca de socorro, sendo que em seguida desmaiou por completo.

Os funcionários do hospital que correram para atender aqueles gritos desesperados que ecoaram pelos corredores, não encontraram ninguém e nada pelo caminho, a não ser a pobre moça, cujo corpo sem cor tremia vertiginosamente, em conjunto com palavras desconexas e inconscientes emitidas pela boca trêmula e roxa, que se calou logo em seguida.

Levaram-na para imediato socorro ao piso superior, restando apenas duas companheiras de serviço, que se apressaram a recolher o material sujo no meio do salão.

Dadas as circunstâncias, não notaram uma única poça logo à frente da rampa, tampouco indagaram sobre a natureza da sujeira vermelho-escura no pano utilizado pela desafortunada faxineira, e que era uma prova da veracidade do ocorrido.

Na noite que meu irmão me contou isso, inclusive outros incidentes desse tipo vividos por ele próprio naquele hospital, acordei de madrugada e fiquei imaginando aquela mulher horrorosa com sangue vazando da cara e não consegui mais dormir!

De onde teria vindo aquela terrível criatura, e qual seriam suas intenções?

Quem estaria disposto à descobrir?


Fonte: http://www.alemdaimaginacao.com/Relatos%203P/a_criatura_do_hospital.html