sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Eu Também Sou Filho de Deus!


"Diferente do Dia das Mães, eu simplesmente DETESTO o dia dos Pais. Odeio esta data com cada osso do meu ser porque me faz lembrar a dura verdade de que meu pai me renega. Quem é o meu pai? Ora, não me façam cara de surpresa. Estou falando de DEUS, é claro. Se observarem bem temos vários traços parecidos e alguns poderes semelhantes. Sou apenas um pouco mais magro e não uso barba.

Apesar de Deus sempre ter escondido o nosso parentesco, de nunca atender meus telefonemas, de não comparecer aos almoços que faço, de nunca responder meus emails, nem nada, eu sempre tive esperança de que isto mudasse um dia. Durante um bom tempo eu achei, sinceramente, que talvez ele pudesse me assumir como seu filho e que viveríamos bem assim.

Sempre esperei pelo dia em que ele me convidasse para jogar bola, soltar uma pipa no parque, ou para jogar uma partida de War no Oriente Médio, enfim, sempre sonhei com o dia em que desfrutaríamos de uma tarde gostosa entre pai e filho. Mas isto nunca aconteceu. Se para vocês Deus é um ser onipresente, onipotente, e caladão, comigo, acreditem, é pior. Ele me trata como LIXO!

A minha ficha só foi cair de vez em um dia dos pais alguns anos atrás. Aproveitei a data singela e liguei para Ele na esperança de uma aproximação. Qual o quê… Quando Deus atendeu o telefone e ouviu a minha voz, fingiu que NEM ME CONHECIA. A coisa foi ainda mais cruel porque cheguei a ouvir, ao fundo da ligação, a reunião da “familiazinha” toda lá em volta Dele: Maria, o Cristo “queridinho”, Gabriel, São Pedro servindo vinho, todo mundo rindo, todos unidos e felizes. Todos… menos eu. Para piorar, ssim que eu disse “Pai?” Deus desligou o telefone na MINHA CARA me excluindo totalmente de Sua vida. Bati o telefone revoltado, saí correndo pro meu quarto, e chorei a tarde toda sobre a cama ouvindo Carpenters.

Foi depois desse dia que desencanei e decidi fazer análise. Meu primeiro analista foi taxativo: me disse para esquecer essa história de que Deus é meu pai. O segundo analista disse o mesmo. O terceiro disse exatamente o contrário, mas só depois que eu falei que matei os dois primeiros.

O quarto analista então me receitou uns anti-depressivos e me recomendou que corresse atrás dos meus sonhos, que eu resolvesse esse assunto de vez de alguma forma. Decidi então tomar uma atitude radical: pedir um exame de DNA. Se Deus não queria me assumir como filho na boa, então iria me assumir na marra.

O problema é que eu não tinha grana pra pagar um exame, apelei para tudo quanto é lugar, mas o único que quis me bancar, por incrível que pareça, foi o programa do RATINHO. Enviei uma carta para a produção e meses depois me ligaram dando sinal positivo. Confesso que eu já havia até esquecido da carta quando a van do SBT parou na frente da minha casa.

Eles me levaram lá pros estúdios do Anhanguera e me deixaram numa salinha de espera cheio de petisquinhos, um buffet de quinta categoria, muito pior do que o da Ana Maria Braga, que eu conheço também quando fui ao programa dela passar uma receita, mas isso eu conto outra hora. Naquele dia, antes de mim, já haviam passado pelo palco uma briga de casal de anões, um homem que se apaixonou por uma égua, e um estivador que dizia conseguir comer uma dúzia de bananas em um minuto. Gostei muito do nível do programa.

Quando o Ratinho me chamou para entrar em cena, eu me sentei naquelas cadeirinhas no meio do palco, e ele me pediu para contar minha história. E eu comecei: “Olha, seu Ratinho, o que me trouxe aqui foi uma coisa muito chata que aconteceu comigo…” Contei o lance dos telefonemas, do trabalho, da falta de reconhecimento. Contei TU-DO.

A platéia ia reagindo com “ohs” e “ahs”, o Ratinho fazia uma pergunta ou outra, o pessoal da platéia também, mas só me dei conta de que não estava sendo levado a sério quando o Xaropinho fez uma piadinha dizendo         que eu só usava foice porque gostava de pegar no comprido. Comecei a ficar preocupado com o rumo do programa, mas já era tarde. Mal sabia eu que o pior estava por vir.

No clímax do quadro, o Ratinho anuncia a grande surpresa da noite. Ele chama o Deus EM PESSOA para participar do quadro. Rufou os tambores, eu me animei, me enchi de esperanças, meus olhos lacrimejaram, quando então, vocês não vão acreditar, me entra o INRI CRISTO no palco! Vocês não imaginam como aquilo me irritou. Eu disse que aquele programa era uma palhaçada, que aquele cara não era meu pai. Então Inri Cristo disse, na maior cara de pau, que segundo a santíssima trindade ele era Deus, SIM! Depois ele abriu os braços e disse “vem cá, filhinho”.

Aquilo me emputeceu DE VEZ e parti pra cima dele, saí no braço com o cara. A gente rolou no palco, pra cima das câmeras, a produção do programa veio nos separar, quebramos umas duas cadeiras um no outro. A platéia foi ao delírio. O Ratinho só sabia dizer “opa, opa, opa, violência aqui não”. O Xaropinho gritava “Pô-rrada! Pô-rrada!”. Um vexame.

Fui expulso aos pontapés pelos fundos dos estúdio. O programa, não sei por quê, nunca foi ao ar. Não rendeu nem uma notinha no jornal, nada. Hoje eu acho isso tudo muito engraçado. Consegui com um câmera de lá uma cópia em VHS do episódio. Assim que eu passar pra MPG eu posto no YouTube para vocês verem."

Diário da Foice, 08/08/2010


Fonte: Diário da Foice

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